Por trás do soco na mesa e da marcha do procurador-geral da República, Augusto Aras, em direção a um opositor no Conselho Superior do Ministério Público Federal – episódio ocorrido na terça-feira, 24 – está uma disputa pelo controle de um colegiado que incomoda o governo Jair Bolsonaro. Motivo da contenda, a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão é responsável por fiscalizar investigações e orientar procuradores em todo o País na área ambiental e, assim, barrar a passagem da “boiada” no setor – referência a uma fala do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, durante reunião ministerial, em que disse que era preciso aumentar a desregulamentação de leis ambientais e “passar a boiada”.
O órgão é formado por dois membros titulares eleitos pelo conselho e tem o coordenador indicado pelo procurador-geral. Aras escolheu, em seu primeiro mandato, o subprocurador-geral Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, que também é fazendeiro e defensor do agronegócio.
Carvalho já se declarou a favor, por exemplo, da Medida Provisória 910, de Bolsonaro, que foi apelidada por ambientalistas de “MP da grilagem”. O texto afrouxou normas sobre a regularização de terras públicas griladas. No mandato anterior, cujo coordenador era o subprocurador-geral Nívio de Freitas, integrantes da câmara apoiaram um manifesto contra o texto do governo. Foi para cima de Nívio que Aras partiu. Procurada, a Procuradoria-Geral da República (PRG) não se manifestou até a publicação deste texto.
Em abril de 2021, a 4ª Câmara barrou o arquivamento de um inquérito contra o então presidente do Ibama, Eduardo Bimm, por improbidade administrativa em razão de suposta liberação de exportação de madeira sem fiscalização. Este foi um tema sensível para Aras.
Paralelamente, naquela época, corria em sigilo na Polícia Federal, a Operação Akuanduba, que culminou, em maio, com o afastamento de Bimm do cargo, por ordem do ministro Alexandre de Moraes. O teor da investigação era o mesmo: a liberação de madeireiras ilegais. A mesma apuração mirou o então ministro Ricardo Salles, que deixou a pasta após ser alvo de buscas da PF. À época, Aras afirmou que a PGR não fora consultada pelo STF sobre a necessidade das medidas como buscas e apreensões.
Sob condição de reserva, integrantes da 4ª Câmara afirmam ao Estadão que Aras nunca conseguiu dominar o colegiado, já que foram eleitos dois titulares e suplentes da oposição. Mesmo assim, segundo um procurador, que preferiu a condição de anonimato, por Carvalho dominar quais são os temas pautados para discussão, a Câmara não tem sido pró-ativa em elaborar e enviar recomendações sobre temas sensíveis ao ambiente e ao governo federal. Também afirmam que Carvalho pouco fez para evitar a desmobilização da força-tarefa Amazônia, responsável por investigar crimes ambientais.
Eleições
Aras queria mais controle, e este foi o motivo que desencadeou a briga. Na terça, o Conselho Superior do MPF promoveu as eleições das Câmaras de Coordenação e Revisão, que são divididas por temas. Na primeira Câmara, que fiscaliza atos do governo federal, Aras sofreu a primeira derrota daquele dia. No órgão, onde havia predominância de procuradores alinhados a Aras, desta vez foram eleitos dois integrantes da oposição. Na segunda, destinada à temática criminal, foram mantidos os atuais integrantes que são independentes de Aras, e na terceira, voltada a Direito do Consumidor e Ordem Econômica, ele não conseguiu emplacar maioria.
Porém, a discussão mais acalorada, que quase terminou em pancadaria, se deflagrou mesmo quando opositores tentaram barrar uma manobra do procurador-geral. Aras queria permitir que um aliado, o subprocurador-geral Joaquim Barros Dias, pudesse ser candidato mesmo sem se inscrever.
Na condição de conselheiro, Nicolao Dino moveu uma questão de ordem contra a manobra. Por 7 a 3, os conselheiros impediram a investida do procurador-geral. Foi em meio a um questionamento de Nívio sobre a sugestão de Aras que começou o entrevero.
“Eu gostaria que Vossa Excelência respeitasse a direção dos trabalhos. Conselheiro Nicolao está falando e eu estou ouvindo. Respeite a direção dos trabalhos”, disse Aras, que também falou em não “admitir bagunça”, enquanto presidia a sessão. Nívio rebateu: “Bagunça, mas Vossa Excelência também interferiu quando o colega estava falando. Então, se Vossa Excelência quer respeito, me respeite também”.
Após a tréplica, Aras deu um soco na mesa e foi na direção de Nívio. Pelas imagens da transmissão, é possível ver um segurança correndo no plenário, e procuradores dizendo: “Inacreditável”.
Agro
Aras tem demonstrado alinhamento a Bolsonaro na pauta ambiental. No julgamento do chamado “pacote verde”, que reunia ações contra medidas do governo no Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a manutenção de um decreto de Bolsonaro que esvaziou a participação da sociedade civil no Fundo Nacional do Meio Ambiente. Assim como o presidente, também criticou a atuação de organizações não governamentais (ONGs) na Amazônia.
Foi no mesmo julgamento que a ministra Cármen Lúcia, do STF, afirmou que o governo promove a “cupinização silenciosa e invisível” de órgãos de fiscalização. Ela ainda criticou Aras. “A Procuradoria-Geral da República se manifestou nas seis ações de minha relatoria pelo descabimento de todas elas, portanto pelo não conhecimento da via eleita, até mesmo, para minha surpresa, em uma ação de que o próprio procurador-geral é autor houve parecer contra”, disse. O julgamento foi interrompido por pedido de vista de André Mendonça, segundo ministro indicado por Bolsonaro à Corte.
Alinhamento
Presidente da Comissão Especial de Mudanças Climáticas e Desastres Ambientais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a advogada Marina Gadelha ressaltou que a as câmaras do MPF têm “muita relevância” porque mantêm “o intercâmbio com outros órgãos e encaminham informações técnicas a órgãos institucionais que atuam dentro da sua área, manifestam-se sobre o arquivamento de inquéritos policiais, parlamentares ou peças de informação”.
“Qualquer procurador da República, em qualquer lugar do Brasil, que promova o arquivamento de um inquérito terá esse seu ato revisado pela Câmara. E, no caso da 4ª Câmara, não é diferente disso”, disse.
“É natural que, além do membro que o PGR indica, ele tenha o interesse de formar toda a Câmara, ou a maioria dela, de pessoas alinhadas ao seu entendimento em relação à matéria de que trata aquela Câmara. Com relação à 4ª Câmara, não seria diferente”, afirmou a advogada.
*** Informações com ➡ O ESTADÃO
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