O cantor Bono, do U2, comenta a eleição com Lula e Bolsonaro e abre o jogo ao lançar livro

ENTRETENIMENTO

Ivan Finotti e Madrid (Espanha) – As pessoas em geral amam Bono. Algumas amam amar o roqueiro, outras amam odiar. Seja qual for o seu lado nessa polarização, terá a partir de hoje mais munição para destilar seu amor ou ódio. O vocalista do U2 lança mundialmente nesta terça-feira seu livro de memórias, “Surrender – 40 Canções, Uma História”.

Como indica o título, Bono escolheu 40 canções de sua banda para, a partir delas, contar momentos cruciais de sua vida. O relato é longo, nada menos do que 640 páginas na edição brasileira, da Intrínseca.

Mas, mesmo que você nem ame nem odeie Bono, a biografia traz momentos interessantes para amantes da música ou para curiosos em geral. Da criação da banda em Dublin, na Irlanda, até a incorporação do ativismo por Bono, está tudo lá, nos 40 capítulos divididos em três partes.

Bono não se exime de contar situações difíceis, como a morte de sua mãe, ou discussões com os colegas de U2, mas, conforme ele disse nesta entrevista exclusiva, feita por email, “há muitas partes engraçadas, eu prometo”.

Leia, abaixo, a entrevista.

PERGUNTA:

Por que escrever uma biografia?

BONO VOX – Porque eu queria me explicar para mim mesmo. Mas, mais profundo do que isso, foi que eu queria explicar para minha família o que tenho feito com minha vida todo esse tempo em que estive longe deles, seja por causa da banda ou pelo meu ativismo.

P. – Em vez de simplesmente contar sua história, você elegeu 40 músicas como pontos de partida para capítulos de sua vida. Como esse formato surgiu?

BV – No início, pensei em usar a lista de canções de um único show em Paris ou Berlim. Depois, pensei em destacar a abertura de uma turnê. Logo ficou claro que eu não seria capaz de escrever histórias que não estivessem enraizadas em nossas músicas. Não consegui ver outra maneira de liberar essas histórias de dentro de mim. Precisei das músicas para trazer tudo à tona. Eu não tinha certeza se seria capaz de escrever sobre como é tocar ao vivo com a banda, como nos tornamos parte do público e como o público se torna parte de nós. Às vezes, as palavras não são suficientes para transmitir um sentimento. Mas eu tentei! E essa frase é uma das mais verdadeiras de todo o livro -“as multidões sul-americanas nos lembram que o coração pulsante da nossa banda em sua forma mais animada é latino”.

P. – Podemos dizer que essas 40 músicas são suas favoritas do U2?

BV – Não, de jeito nenhum. Eu me apaixono e me desapaixono pelas músicas do U2 o tempo todo. Minha música favorita do U2 mais consistente é “Miss Sarajevo”, porque eu a tenho cantado muito, mas ela não é um título de capítulo em “Surrender”. Escolhi cada música por causa da história que me permitia contar. Algumas são mais óbvias, como “With or Without You”, que é sobre Ali e eu nos ajustando à nossa vida de recém-casados. Outras são mais obscuras como “Wake Up Dead Man”, sobre minha luta com o resto da banda e perceber que talvez a luta que eu precisava ter era comigo mesmo.

P. – Por que as canções não estão em ordem cronológica, de acordo com os discos do U2? Quando surgiu, o livro também não estava em ordem cronológica!

BV – Enquanto escrevia, percebi que eu pensava minha vida em três partes, e os capítulos funcionariam melhor se conduzissem o leitor no tempo. A primeira parte do livro é crescer em Dublin, minha mãe e meu pai, meus amigos, conhecer Ali e as primeiras tentativas da banda de ser uma banda.
A segunda é sobre o crescimento do U2, nossa música, as tensões que enfrentamos quando nos tornamos bem-sucedidos. E a última parte é mais sobre o ativismo que pude fazer por causa do U2, e o significado da banda, de onde viemos e para onde vamos. Isso soa meio pesado, mas há muitas partes engraçadas, eu prometo. “A vida é muito séria para ser levada muito a sério” é uma citação que Ali constantemente me lembra.

P. – Quais são seus capítulos favoritos de ‘Surrender’?

BV – Achei os primeiros capítulos os mais fáceis de escrever, embora “Iris (Hold Me Close)”, no qual escrevo sobre a morte de minha mãe, tenha sido mais difícil. Acho que meu favorito pode ser “Landlady”, que é sobre Ali. “Moment of Surrender” também é importante para mim.

P. – O Brasil vai escolher entre Lula e Bolsonaro para presidente [a entrevista foi realizada antes da eleição]. Você tem acompanhado?

BV – Acho que o mundo inteiro acompanhou essa eleição e o voto estava nas mãos do povo brasileiro, não de um rock star irlandês. Foi uma votação sobre o futuro e suspeito que as pessoas pensaram com muito cuidado. Todos nós aprendemos nos últimos anos e em vários países o quão precioso e frágil o governo democrático realmente é. Olha, minha visão é simples, eu só espero que o Brasil possa atingir todo o seu potencial.

P. – Você foi uma das primeiras estrelas da música a se preocupar com o meio ambiente e foi criticado por isso, com muitos chamando você de messiânico. Hoje, quando o mundo parece ter acordado para isso, você se sente vingado?

BV – O que realmente importa não é o que eu disse naquela época, mas o que estamos vivendo agora. A ciência é clara e categórica, as mudanças climáticas provocadas pelo homem representam uma ameaça existencial ao nosso planeta e a todas as pessoas que vivem nele. Como ativista, passei décadas lutando contra a pobreza extrema e, na minha opinião, a mudança climática é como se fosse um desenvolvimento ao contrário. Ela ameaça desfazer todos os ganhos que obtivemos nas últimas décadas no combate à pobreza extrema.

P. – Como uma pessoa pública cujas ideias influenciam muitas pessoas, você acha que os artistas deveriam falar sobre política e, neste caso, desagradar aos fãs que não pensam como você, ou esse não deveria ser o papel do artista?

BV – Eu acho que se você tem uma voz, você deve usar. Os fãs do U2 são ótimos, eles têm opiniões fortes e eu amo isso neles. Eu também tenho! No livro, escrevo com mais profundidade sobre o ativismo com o qual me envolvi, para dar uma ideia do trabalho que acontece por trás das fotografias que as pessoas veem. Estou muito orgulhoso do trabalho do qual fazemos parte, lutando contra a pobreza extrema e o HIV, ou com a Anistia Internacional pelos direitos humanos. Nosso empresário, Paul McGuinness, nos advertiu de que não é trabalho do artista resolver um problema, mas sim descrever o problema. Mas eu não segui esse conselho!

*** Informações com ➡ JORNAL DE BRASÍLIA
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