Dois pesos e duas medidas: Guedes destruiu o teto de gastos, mas o mercado só se preocupa com Lula

VARIEDADES

Felipe Machado (Revista IstoÉ) – Depois de passarmos dois anos ouvindo as opiniões dos milhões de “cientistas-de-Twitter” sobre vacinas, tivemos que sobreviver aos geniais comentários dos “cientistas políticos de Instagram” durante a campanha eleitoral. Agora, com o fim da eleição, chegou a vez de prestar atenção às análises profundas dos milhões de “economistas-de-Facebook”, que debatem com a profundidade de um pires a necessidade de o governo obedecer a uma espartana cartilha de responsabilidade fiscal que não fure o teto de gastos.

É impressionante: no mundo de hoje – e no Brasil, especialmente –, todo mundo acha que tem algum conhecimento para falar sobre qualquer assunto. O tema que agitou as redes sociais ontem foi o discurso do presidente eleito Lula, cuja menção à prioridade zero do seu futuro governo (combate à fome por meio do Bolsa Família, o que o levará a ultrapassar o teto de gastos) fez a Bolsa cair e o dólar disparar.

Interessante lembrar que Bolsonaro havia prometido a mesma coisa durante a campanha, com a manutenção do Auxílio Brasil. Talvez a diferença seja que todo mundo sabe que a palavra do presidente vale tanto quanto uma nota de três reais.

Achei curiosa a reação do mercado. Esse mesmo mercado fingiu que não era com ele quando a dupla Bolsonaro e Paulo Guedes furaram o mesmo teto de gastos diversas vezes, inclusive para aprovar medidas eleitoreiras que eram apenas eufemismo para compra de votos institucionalizada. Há apenas duas semanas, inclusive, Guedes confessou ao mercado ter furado o teto de gastos “porque ele foi muito mal construído.”

Hum. Estranho. A “irresponsabilidade” do discurso do petista, ontem, levou o dólar a fechar no absurdo valor de R$ 5,33. Um pouco estranha a reação do mesmo mercado, uma vez que, em 5 de janeiro de 2022, o dólar estava cotado a R$ 5,71. Interessante lembrar também que o mesmo mercado estava tranquilo quando Guedes foi profético, em 5 de março de 2020: “se eu fizer muita besteira, o dólar chega a R$ 5”.

Isso significa apenas uma coisa: Paulo Guedes fez muita besteira. Por isso o dólar chegou perto de R$ 6 em sua gestão. Talvez o mercado tenha memória curta. Mas é para isso que existe o Google: para refrescar as lembranças.

Em 5 de janeiro de 2021, Bolsonaro disse aos seus apoiadores no cercadinho que queria mexer na tabela do imposto de renda e que o Brasil estava quebrado. “Eu não consigo fazer nada”, completou.

Sabe o que aconteceu com o mercado, depois de ele dizer essa asneira? A Ibovespa fechou em alta, perto de seu recorde histórico. O presidente diz que o Brasil está quebrado? Ótima notícia!

Em 11 de fevereiro de 2021, Bolsonaro disse o seguinte: “o cara que entra na pilha da vacina, só a vacina, é um idiota útil.” Dois meses depois, em 6 de abril de 2021 o Brasil bateu pela primeira vez a marca de quatro mil mortes por Covid registradas em um dia, chegando a um total de 337 mil vítimas fatais. Sabe qual foi a notícia sobre o mercado, nesse dia catastrófico? O clima positivo, com dólar em queda de 1,41%, fechando a R$ 5,60 – pelo menos R$ 0,30 mais caro que ontem.

Lula poderia ter contido o discurso? Claro que sim. Ele já ganhou a eleição e não precisa mais vender seu peixe. É que estamos desacostumados a ouvir um político confirmando o que ele passou a campanha inteira dizendo o que ia fazer. Nos últimos quatro anos, parece que nos acostumamos com um presidente que dizia uma coisa e fazia outra, como se mentir fosse algo inerente ao cargo.

A opinião do mercado é importante para a definição da política econômica? Ora, isso é tão óbvio que não precisa nem ser dito. É a única influência? Claro que não. Mas é interessante ver como o mesmo mercado se comporta de maneira distinta diante do discurso de Lula, que pretende usar o valor acima do teto para ampliar investimentos sociais, e Bolsonaro, que furou o teto para bancar outros custos bem mais duvidosos, como o Orçamento Secreto do Centrão, os subsídios a Petrobras (só até a eleição) e uma cachoeira de medidas eleitoreiras, como o Vale-Gás e os Auxílios Taxista e Caminhoneiro.

Um pequeno detalhe: Lula ainda não é presidente.

Ele nem sequer assumiu e já é tratado como presidente por quem realmente importa – os chefes de Estado globais. Bolsonaro não trabalhava nem quando era presidente, imagine agora que é um “pato manco”, como se diz nos EUA. Na COP-27, no Egito, Lula já tem reuniões agendadas com dez chefes de Estado – a pedido deles, é interessante ressaltar. Será que o mercado lembra que Bolsonaro não podia sequer entrar em restaurantes em Nova York até pouco tempo atrás porque não era vacinado? Que o Brasil era pária no mundo inteiro? Os Faria Limers não lembram que dava vergonha dizer no exterior que eram brasileiros? Aposto que sim.

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