TRÁFICO DE INFLUÊNCIA em cortes superiores, corrupção de funcionários públicos, trabalho análogo à escravidão, crimes ambientais e eleitorais. É esse o currículo de acusações de oito dos 60 maiores doadores individuais para as campanhas eleitorais de 2022 – e quem mais se beneficiou com a grana deles foi o presidente em exercício Jair Bolsonaro, do PL, e seu ex-ministro e candidato vitorioso ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos. Bolsonaro recebeu R$ 2,55 milhões de três deles. Tarcísio bem menos, R$ 75 mil de dois nomes da lista.
Neste ano, as doações particulares dos eleitores chegaram a R$ 919 milhões, de acordo com informações do Tribunal Superior Eleitoral consolidadas até o final da semana passada. Os grandes financiadores privados, aqueles que investiram a partir de R$ 1 milhão, são 60 nomes. Ao todo, o “clube do milhão” doou R$ 123 milhões a diversos candidatos. Dentre estes milionários, oito já foram acusados de crimes – juntos, doaram R$ 12,6 milhões a 41 candidatos e quatro partidos.
A legenda mais beneficiada foi o MDB, com R$ 750 mil; depois o PP, com meio milhão de reais; o Novo, com R$ 300 mil e o PT, com R$ 200 mil. É o que revelam dados levantados pelo Intercept em parceria com a plataforma 72 horas, formada por especialistas na análise de dados eleitorais e organizações e movimentos da sociedade civil.
Denunciado por trabalho escravo pelo MPF, o barão do agronegócio Cornélio Sanders, do Grupo Progresso, entrou com R$ 1 milhão na campanha presidencial de Bolsonaro. Em 2006, Sanders foi denunciado pelo Ministério Público Federal sob acusação de manter trabalhadores em situação análoga à escravidão na área da Fazenda Progresso, no Piauí. Uma fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho constatou que os trabalhadores eram submetidos a jornadas excessivas e a condições desumanas. Em 2009, no então segundo governo Lula, Sanders foi incluído na lista suja do trabalho escravo do Ministério do Trabalho. Dez anos depois, em 2019, já sob Bolsonaro, o próprio MPF pediu arquivamento do caso por falta de provas e Sanders foi retirado da lista após entrar com um mandado de segurança.
Sobre o caso de trabalho escravo, Sanders nega e afirma que a Fazenda Progresso nunca esteve envolvida com este tipo de prática. A denúncia, diz, aconteceu longe da sede, em um pedaço de terra que estaria arrendado à época. Ele afirma também que hoje as fazendas do grupo possuem todas as certificações socioambientais necessárias, inclusive para atender ao mercado externo.
Já o bilionário do agronegócio Hugo de Carvalho Ribeiro é outro do ranking de doadores milionários a ter ligação com um histórico de acusações. Cunhado de Blairo Maggi, ex-governador do Mato Grosso, Ribeiro é um dos cinco nomes da família na lista dos mais ricos do Brasil elaborada pela revista Forbes neste ano.
Sócio do grupo Amaggi, ele aportou R$ 1,2 milhão na campanha de Bolsonaro — foi o terceiro maior doador do presidente. Ribeiro doou também para para o deputado federal reeleito José Medeiros, bolsonarista do PL do Mato Grosso, que recebeu R$ 300 mil.
O grupo empresarial do mega fazendeiro tem longa ficha corrida na área ambiental. Como lembrou o De Olho nos Ruralistas recentemente, a história de ilícitos começa com o fundador e patriarca, André Antônio Maggi, que esteve à frente de um episódio de escravidão moderna no município de Aripuanã, no noroeste de Mato Grosso, documentado pela PF no final dos anos 1980. A empresa afirma desconhecer a ocorrência de abusos e trabalho análogo à escravidão. De lá para cá, os crimes socioambientais se acumularam. Em 2005, a gigante da agropecuária foi multada em R$ 1,2 milhão pelo Ibama por desmatamento ilegal.
Depois, o grupo foi acusado de comprar, em 2009, 29 mil metros cúbicos de madeira derrubada ilegalmente e oriundas de um suposto crime ambiental praticado pela Cravari Energia S/A. A denúncia foi feita durante a CPI das Usinas Hidrelétricas na Assembleia Legislativa do Mato Grosso, em 2011, mas não foi para frente. Na época, a Amaggi divulgou nota dizendo que fiscalizava com rigor fornecedores e deixava de comprar de produtores irregulares. Em 2016, o nome da empresa e de integrantes da família apareceram em meio a Operação Kaiapó, do Ibama, sobre a invasão e desmatamento ilegal da Terra Indígena Menkragnoti, na região de Altamira, no Pará. De acordo com o MPF, a empresa comprou soja de área devastada e integrantes da família são suspeitos de ajudar a financiar a invasão.
No início deste ano, a Amaggi teve anulados pelo Ibama R$ 332 milhões relativos a nove multas aplicadas no primeiro ano do governo Bolsonaro. A empresa teria novamente comprado soja de outra área de desmatamento ilegal, mas um suposto erro burocrático do governo federal livrou-a de responsabilização. As multas anuladas referem-se a uma operação do Ibama na zona rural de Vista Alegre do Abunã, em Rondônia, em 7 de outubro de 2019.
Ao Intercept, a Amaggi afirma que “nunca houve investigação, inquérito ou medida judicial” contra a empresa em relação à acusação de trabalho análogo à escravidão. Também disse que a multa do Ibama de 2005 foi arquivada, e sobre a CPI do Mato Grosso, “sequer foi convocada” porque “não foram apresentados elementos concretos que sustentassem a denúncia”. Em relação à multa de 2019, a empresa diz que apontou “vícios insanáveis nos autos de infração aplicados”, e o “próprio Ibama reconheceu a nulidade” deles. Sobre as doações feitas pelo acionista Hugo de Carvalho Ribeiro, a empresa diz que elas foram feitas “na condição de pessoa física” e “não se posiciona sobre doações privadas”.
Golpismo e coação
O milionário Gilson Lari Trennepohl ficou nacionalmente conhecido nas eleições deste ano após um episódio envolvendo ameaça a fornecedores e coação a funcionários. Uma carta e um vídeo da empresa Stara, da qual é um dos donos, viralizou nas redes sociais ameaçando corte de 30% caso Lula fosse eleito presidente. O crime eleitoral e das relações do trabalho chegou ao Ministério Público do Trabalho, que ajuizou uma ação civil pública de R$ 10 milhões contra a empresa.
Trennepohl doou R$ 350 mil para Bolsonaro. Além de dono da empresa Stara, que fabrica máquinas e implementos agrícolas, é vice-prefeito da cidade de Não-Me-Toque, no interior do Rio Grande do Sul.
O grupo do agropolítico de extrema direita já respondia a um processo no TSE por abuso de poder econômico, por sua suposta participação no financiamento dos atos bolsonaristas do 7 de setembro último, durante a campanha eleitoral.
Além de Bolsonaro, Trennepohl financiou com R$ 300 mil o candidato derrotado ao governo do Rio Grande do Sul, Onyx Lorenzoni. E deu R$ 25 mil para Tarcísio de Freitas. No total, ele gastou oficialmente declarado R$ 1 milhão na campanha deste ano — distribuindo o restante da doação para oito candidatos bolsonaristas que concorreram a diversos cargos públicos.
O advogado Caio Cesar Vieira Rocha doou R$ 1,75 milhão a quatro candidatos e dois diretórios partidários nas eleições de 2022. Rocha foi denunciado na Operação Lava Jato, em 2020, por envolvimento no suposto esquema de advogados da Fecomércio do Rio de Janeiro para tráfico de influência em cortes superiores.
Segundo a denúncia, o advogado receberia dinheiro ilícito para “exploração de prestígio, peculato e lavagem de dinheiro” em parceria com o pai, o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça, ex-ministro César Asfor Rocha, para influenciar outros ministros da corte em julgamentos do interesse da dupla. Após um pedido de habeas corpus, Rocha conseguiu trancar o caso na terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O MPF recorreu no início do ano e perdeu.
O senador bolsonarista eleito pelo PL de Rondônia, Jaime Bagatolli, foi eleito prometendo lutar pela legalização de todos os garimpos no estado, inclusive dentro de reservas indígenas, e pela regularização fundiária para os criadores de gado e pequenos produtores. Teve a campanha quase inteiramente bancada pelo irmão e sócio no Grupo Bagatolli, Orlando Bagatolli. Dos R$ 3,3 milhões arrecadados pela campanha, R$ 2,9 milhões vieram dele (88% do total).
As cifras o tornam o nono maior doador das eleições. Os irmãos são os maiores produtores de soja do estado e já tiveram suas propriedades autuadas pelo Ibama quatro vezes por infrações ambientais e, em duas ocasiões, foram alvo de embargos.
Em 2020, o senador eleito e seu irmão financiador foram presos pela Polícia Rodoviária Federal no município de Vilhena por vandalismo e destruição de obras públicas. Eles quebraram a marretadas um meio-fio em uma junção de rodovia com avenida que impedia acesso a um posto de gasolina deles, o que rendeu um inquérito na PF. Orlando ainda foi acusado por agressão, já que partiu para cima de um técnico do Dnit que verificava a infração. O Intercept não obteve resposta sobre o andamento desta investigação.
Já no Mato Grosso do Sul, dois empresários que atuam no setor de informática — investigados na Operação Lama Asfáltica da Polícia Federal em 2018, que apurou corrupção e lavagem de dinheiro em contratos estaduais — fizeram doações a 12 candidatos de diferentes legendas. Ricardo Fernando de Araújo, dono da Mil Tec, distribuiu R$ 1,47 milhão a seis nomes. Antônio Celso Cortez, da PSG Tecnologia, doou R$ 1,65 milhão para outros seis nomes da política local.
Os agraciados vão de bolsonaristas a petistas, sem aparente restrição ideológica. Cortez ainda foi alvo de delação dos irmãos Batista, da JBS, como intermediário no pagamento de propinas a agentes públicos. Juntos, eles possuem R$ 168 milhões em contratos com o governo do estado.
Por fim, Ricardo Valadares Gontijo, cabeça da Direcional Engenharia, investiu R$ 1,36 milhão da conta pessoal nestas eleições —a maior parte, R$ 1 milhão, em diretórios do Novo, MDB e PT. O nome da empreiteira aparece em uma investigação em curso na Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Civil do Rio de Janeiro como pagadora de uma espécie de mensalão de R$ 37 mil para o Bonde do Zinho, uma das maiores milícias da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Outras grandes construtoras pagariam valores até maiores em um total de quase R$ 200 mil por mês. O caso foi revelado pela revista Veja. Na investigação, ainda nebulosa e sem informações públicas oficiais, as empresas são tratadas como possíveis vítimas de extorsão.
Ao Intercept, a Direcional afirmou que tomou conhecimento da denúncia por meio do noticiário e “se colocou à diposição das autoridades no aguardo da apuração do caso” e que “não compactua com quaisquer práticas ilícitas”. Sobre as doações, afirmou que “representam decisão pessoal do doador, feita com recursos próprios e por meio da pessoa física”, e que a empresa é “apartidária e não apoia nenhuma candidato ou iniciativa político-partidária”.
Os demais doadores citados nesta reportagem foram procurados pelo Intercept sobre as denúncias e as doações, mas não houve resposta.
*** Informações com ➡ The Intercept.
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