“Mão amiga”, diz The Intercept: Exército fez ‘casinha’ para terroristas se protegerem, mostram depoimentos de presos em flagrante

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Carol Castro (The Intercept)AS BOMBAS de efeito moral do Batalhão de Choque explodiam em frente ao Palácio do Planalto, onde estava o baiano J.C.P, autônomo de 38 anos, na tarde de 8 de janeiro. Então, “pessoas ligadas ao movimento” o orientaram a entrar no prédio e buscar proteção com o Exército, segundo depoimento dado à Polícia Civil após ser preso.

No palácio, ainda segundo seu relato, ele e outras pessoas se ajoelharam e rezaram para os militares. Então, em determinado momento, “o Exército fez uma ‘casinha’ para os manifestantes, que ficaram encurralados com a chegada da tropa de choque”, ele narrou. Os policiais jogaram gás lacrimogêneo e deram voz de prisão a todos.

Mais de 20 depoimentos de golpistas presos em flagrante contam a mesma história de J.C.P.: os militares protegeram os bolsonaristas dentro do Palácio do Planalto durante a invasão golpista.

Segundo L.C.B, de Brasília,”militares do Exército acenaram para os manifestantes chamando-os para se abrigar no Palácio do Planalto”. Outro terrorista, o paraense A.K.P.C, de Marabá, disse que o Exército “orientou que os manifestantes se sentassem e aguardassem o gás se dissipar”. Eles, então, se sentaram em frente ao cordão dos militares. P.A.S, também preso em flagrante durante os ataques aos prédios públicos na capital federal, afirmou que os militares mandaram todos se deitarem “porque eles protegeriam os manifestantes”.

Alguns golpistas disseram que ficaram sentados, outros ajoelhados, e passaram a rezar para os militares do Exército. Então, chegou a Tropa de Choque da PM. Os relatos dão conta de que houve discussão entre os policiais militares – que são acusados de agir com truculência pelos terroristas – e o Exército.

“O pessoal do Exército ficou na frente tentando fazer contato com os policiais militares, momento em que os militares do Exército e a Tropa de Choque da PM entraram em uma discussão”, declarou L.C.B. O paulistano G.B.S fez um relato semelhante. Ele contou que, ao entrar no prédio e encontrar os militares, fez o mesmo que os outros: “postou-se de joelhos rogando ajuda”. Na sequência, houve um “embate entre os militares do Exército e os militares da tropa de choque da PM”.

Segundo outro golpista preso, houve confusão porque a “polícia agiu de forma mais truculenta, enquanto o Exército foi mais cuidadoso com as pessoas”.

Em outro momento, o golpista mineiro F.A.S, de Sacramento, afirmou que um homem vestido de camisa social branca tentou intervir no trabalho da Tropa de Choque. “Aparentou ser uma pessoa importante, uma autoridade, possivelmente do Exército Brasileiro”, relatou. De acordo com ele, o sujeito conseguiu segurar os policiais por algum tempo. A paulista L.B.S, de São José dos Campos, parece ter visto o mesmo homem, que ela disse ser um “servidor da casa”, ao subir ao primeiro andar do palácio. “Ele estava de roupa social, cor branca, baixo, cabelos castanhos, quando o Exército entrou e mandou todos descerem”. Segundo seu relato, o homem bem-vestido forneceu uma garrafa de 1 litro de água aos golpistas. Ela obedeceu o homem e, posteriormente, se ajoelhou diante dos militares.

Outros depoimentos relataram a mesma devoção dos golpistas aos militares e o mesmo apoio do Exército. “O Exército já estava lá dentro deixando as pessoas com a sensação de estarem seguras”, informou o paulista D.S.N, de Carapicuíba. Já G.A.D, de Ipora, em Goiás, “ficou abaixada no pé do pessoal do Exército até ser presa pela Polícia Militar que entrou no ambiente”.

Enquanto o Exército orientava e cuidava do bem-estar dos terroristas, poltronas, cadeiras e outros objetos públicos eram arremessados – isso ainda de acordo com os mesmos relatos. Ao som do caos, de bombas e estilhaços, somavam-se os gritos de socorro, “fora Lula”, “presidiário”, trechos do hino nacional e louvores. Em seu depoimento, I.I.P., mineira de 57 anos de Cambuí, imaginou que “se tivesse muita gente, teria o apoio do Exército para evitar a instalação do comunismo no Brasil”.

Questionado pelo Intercept sobre alguns relatos e sua conduta diante da depredação, o Centro de Comunicação Social do Exército afirmou apenas que “o fato está sendo apurado pelas autoridades competentes”.

Conciliada e gradual

Os depoimentos dos terroristas presos vão na mesma linha dos relatos de dois outros personagens-chave no caso. Em um depoimento à PF na quinta-feira, dia 12, o ex-comandante da Polícia Militar do Distrito Federal, coronel Fábio Augusto Vieira, afirmou  que o Exército estava mobilizado para não permitir a entrada da PM no acampamento golpista. Ele disse também que, após os ataques, o Exército teria atuado para “impedir prisões”.

O governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, também afirmou em depoimento à Polícia Federal que, além de sabotagem da própria polícia, o Exército impediu o desmonte do acampamento golpista ainda no dia 8, em uma reunião tensa. O Exército exigiu que o acampamento fosse desmontado apenas na manhã do dia seguinte aos atos nos prédios dos Três Poderes, o que foi executado pela PM do Distrito Federal. Mais de 1,2 mil pessoas foram detidas no desmonte do QG golpista. Não se sabe, porém, quantos deles deixaram o acampamento enquanto o Exército fazia corpo mole.

Na Polícia Federal, não há dúvidas de que a guarida do Exército aos golpistas que se refugiaram no acampamento impediu a prisão de alguns dos principais responsáveis pela invasão aos prédios dos Três Poderes no dia do ataque.

Chamou a atenção dos policiais federais, por exemplo, a grande quantidade de moradores de rua detidos na manhã de 9 de janeiro, quando finalmente a PMDF pôde entrar e efetuar prisões na área do acampamento. Muita gente que vive pelas ruas do Plano Piloto encontrou no acampamento golpista um local para usar os banheiros químicos, tomar banho e descolar uma refeição. Trata-se de um indício de que àquela altura restavam no acampamento, principalmente, pessoas tão alheias à realidade que não se deram conta da possibilidade serem presas pela suspeita de participarem da destruição.

Vale lembrar, ainda, que o Exército poderia ter desocupado o QG golpista ainda em dezembro – mas duas ações foram suspensas, segundo os militares, por causa do risco de confronto com os acampados. A orientação seria uma retirada “conciliada, lenta e gradual”, segundo interlocutores ouvidos pela Folha. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, respaldou a abordagem. “Aquelas manifestações no acampamento, e eu digo com muita autoridade porque tenho familiares e amigos lá, é uma manifestação da democracia”, ele garantiu no discurso de sua posse, em 2 de janeiro. Poucos dias depois, os golpistas destruiriam o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

** Colaboraram: André Uzêda, Guilherme Mazieiro, Rafael Moro Martins e Tatiana Dias
*** Informações com ➡ The Intercept

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