O outro lado da moeda: Quem está certo sobre o aumento de juros; Banco Central ou IBGE (os fatos)?

VARIEDADES

GILBERTO MENEZES CÔRTES (Jornal do Brasil) – Vá lá. Dê-se algum desconto, pois o horizonte do Banco Central, ao fixar as taxas de juros, é influir bem adiante (12 a 18 meses). Ele opera a médio e longo prazos. Mas já dizia o genial economista inglês Lord John Maynard Keynes: “A longo prazo, estaremos todos mortos”. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), ainda às voltas com os levantamentos do Censo 2022 (adiado desde 2020 devido à pandemia da Covid-19), segue fazendo seus levantamentos e hoje divulgou dois importantes números.

A inflação de janeiro, medida pelo IPCA, foi de 0,53% (abaixo dos 0,62% de dezembro e dos 0,54% de janeiro de 2022). Com isso, a taxa acumulada em 12 meses baixou dos 5,79% de dezembro do ano passado para 5,77%. Em termos reais, descontada a inflação, a taxa Selic, reafirmada em 13,75% ao ano pelo Banco Central na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de 1º de fevereiro, aumentou de 7,5243% para 7,5446%.

Sim, diriam os defensores irrestritos da independência do Banco Central e da sua infalibilidade (nem o Papa é infalível, como mostrou Bento XVI, ao renunciar há alguns anos), mas acontece que “o Banco Central está olhando à frente”. As previsões do mercado mostram o IPCA fechando 2023 em 5,8%, praticamente a mesma taxa de 2022 e projeta 4% para dezembro de 2024.

Todas as indicações dos departamentos de estudos econômicos de instituições financeiras e consultorias são de que as taxas mensais de inflação deste 1º semestre serão bem inferiores às do ano passado. Com isso, a inflação acumulada no IPCA em 12 meses desceria a 4% em abril (o recorde do ano passado com 12,13% e taxa mensal de 1,06%, só perdendo para os 1,62% de março, quando ocorreram os maiores aumentos de combustíveis da Petrobras e os 1,01% de fevereiro).

Com inflação baixa, juros real bate recorde

Descontada a inflação, que atingiu 5,77% no acumulado de 12 meses, se o Copom mantiver a taxa atual da Selic na reunião de 22 de março, o juro real vai subir a recordes 9,375%. Sim, dirão os fiéis da infalibilidade do BC e do Copom, “mas a autoridade monetária está olhando a médio e longo prazos”.

É verdade que a partir de julho, quando entrou em vigor o pacotaço eleitoral para turbinar a reeleição de Jair Bolsonaro (aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, mesadas de R$ 1 mil mensais a caminhoneiros autônomos e taxistas, aumento de 100% no vale-gás e queda, a canetadas, dos impostos da energia elétrica, combustíveis e comunicações, houve sensível queda na inflação (10,07% na taxa de 12 meses em julho para 5,879% em dezembro).

E o Banco Central, que tinha chegado tarde (nos aumentos da Selic apara enfrentar a escalada do dólar e da inflação que entrou na faixa de dois dígitos em agosto/setembro de 2021, e assim ficou até julho do ano passado, se preparou para uma jornada de duelos contra a inflação de dois dígitos. Pragmático, Paulo Guedes percebeu que a alta da Selic não debelaria a inflação (talvez segurasse o dólar) e decidiu intervir nos preços dos itens que mais pesam na inflação, a começar pela gasolina, que caiu 25% no ano passado). O ministro da Economia tirou a escada do Banco Central, e Roberto Campos Neto e sua trupe seguiram pendurados na brocha. E a economia definhando. Quem sobreviverá?

Comércio fez água em dezembro

Como estou na boa companhia de Lord Keynes, cito outra estatística fresquinha do IBGE. As vendas do comércio que já foram fracas na “Black Friday” de novembro, foram muito ruins em dezembro. No varejo restrito (supermercados, vendas de combustíveis, farmácias e drogarias, artigos de residência e móveis e eletrodomésticos) houve um tombo de 2,6% frente a novembro (que haviam recuado 0,9%). Foi a 2ª queda consecutiva nas vendas, mostrando que as mágicas de Paulo Guedes para turbinar a eleição se esgotaram antes cedo.

Contando com a reeleição, Guedes remendaria a economia partir de 1º de novembro. Deu Lula, o comércio patinou em novembro e dezembro, quando as taxas de juros elevadas frearam o consumo. No comércio varejista restrito, houve queda de 1,1% nas vendas do 4º trimestre. O ano fechou com avanço de 1%.

Mas nas vendas de bens de maior valor, que dependem do crédito (o varejo ampliado, que inclui veículos e motos, autopeças e materiais de construção), houve queda de 0,4% em dezembro e o ano fechou com contração de 0,6%. As vendas do varejo representam uma fatia importante (cerca de 14%) do setor de serviços (que pesa algo como 70% do PIB).

Os dados o Caged de dezembro, quando houve dispensas recordes de mais de 430 mil trabalhadores (superando as de 2015), já indicavam um quadro sombrio na economia, com a trava dos juros. Os problemas nas Americanas, maior rede varejista do país, em janeiro, prenunciam um período difícil para as vendas dependentes do crédito, enquanto os juros reais estiverem nas alturas.

A crise nas Lojas Marisa é reflexo do mesmo problema. A Fecomércio-RJ se aliou à Fiesp e à CNI pedindo a revisão das metas de inflação ou a adequação dos juros da Selic à realidade da conjuntura. É isso que o presidente Lula está cobrando “deste cidadão”, a forma de se referir ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, que é um corpo estranho (pela independência da instituição, alcançada em fevereiro de 2021), à formação de sua equipe de governo. Até no Congresso, o governo Lula se compôs na Câmara e no Senado. O BC segue um monolito, uma grande pedra no caminho para reativar a economia.

Boas novas do campo

Apesar da seca estar afetando as safras da Argentina e no Sul do Brasil (sobretudo no Rio Grande do Sul), os levantamentos do IBGE e da Conab, referendados pelo departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), destaca o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, “apontam para um forte incremento da safra agrícola este ano, com novo recorde, [pelo crescente desempenho da produção do Centro-Oeste e do Matipiba (Sul dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí, e o noroeste da Bahia)] para 2023, com a safra de grãos estimada em 310 milhões de toneladas, o que deve contribuir de forma favorável para o crescimento do PIB brasileiro e para a desinflação de alimentos”.

É bom que venha uma boa safra. Em janeiro, os alimentos subiram 0,59% -menos que os 0,66% de dezembro -, mas acumularam 11,07% em 12 meses, quase o dobro do IPCA de 5,77%. Alô, Banco Central.

Mercado não precifica baixa do diesel

Estranhei o mercado financeiro, sempre diligente em fazer cálculos dos impactos de fatos extraordinários na inflação, não ter feito qualquer estimativa da redução de 8,9% promovida pela Petrobras esta semana no litro do óleo diesel vendido em suas refinarias. Foi a 1ª baixa do combustível mais vendido no Brasil na gestão (ainda interina) do presidente indicado Jean Paul Prates.

Em janeiro, no levantamento do IBGE, o diesel (apurado em pesquisa nas bombas) tinha tido baixa de 1,40%, Se a baixa nas refinarias for repassada às bombas, os caminhoneiros terão uma redução de mais de 10% no combustível que usam para escoar as safras de soja e outros produtos das grandes regiões produtoras. Seria um duplo empurrão para baixo na inflação: grande safra e movimentação a custos mais acessíveis. Isto tinha que ser precificado.

Gilberto Menezes Côrtes – Jornalista de Economia há 47 anos. Acompanhou 23 ministros da Fazenda/Economia e 9 moedas brasileiras. Mas perdeu a conta do número de presidentes do Banco Central do Brasil e de duplas assinantes das notas do país (ministro da Fazenda/Economia-presidente do BCB).

*** Informações com ➡ JORNAL DO BRASIL

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