Passava das 18h30 do último dia 1º quando o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) foi questionado pelo Estadão sobre indícios de irregularidade envolvendo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, que destinou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada em frente à sua fazenda, na cidade de Vitorino Freire (MA). Padrinho da indicação de Juscelino, que também é do seu partido, Alcolumbre desconversou.
“Não sei disso. Eu estava só pedindo voto para o Rodrigo”, respondeu ele, ao comemorar a reeleição do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que acabara de ocorrer naquela quarta-feira.
Coube a um correligionário socorrer Alcolumbre perto de seu gabinete. “Venha aqui cumprimentar o povo de Roraima!”, disse o homem. Com fama de atender “no varejo”, como um vereador, o senador assentiu e desviou da pergunta incômoda. “Eu sou bom de filosofia”, afirmou, abrindo um sorriso.
Desde que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente, Alcolumbre mudou de sintonia e passou a apoiar o PT. De aliado de Jair Bolsonaro, o senador conhecido por ser um “camaleão” logo se aproximou dos petistas e foi relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Ao lado de Pacheco e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Alcolumbre ajudou o PT a aprovar no Congresso uma brecha para o aumento de gastos com o Bolsa Família e o salário mínimo.
Foi nesse vácuo de poder, no fim da gestão Bolsonaro, que o ex-presidente do Senado mostrou as cartas para Lula. Como retribuição pelos serviços prestados, ele conseguiu emplacar o deputado Juscelino Filho no Ministério das Comunicações e o ex-governador do Amapá Waldez Góes na pasta da Integração e Desenvolvimento Regional. Além disso, afiançou a nomeação de Daniela Carneiro para o Turismo. Aliado de Alcolumbre, Góes também entrou na cota do União Brasil, embora fosse filiado ao PDT.
Pouco mais de um mês depois, Pacheco foi reconduzido ao comando do Senado, com o apoio de Alcolumbre e do Palácio do Planalto. Para evitar dissidências na base aliada, o governo negociou cargos, como diretorias dos Correios, da Sudene e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Derrotado na disputa com Pacheco, o senador Rogério Marinho (PL-RN), que teve a candidatura respaldada pelo núcleo duro do bolsonarismo, virou líder da oposição. Mas as articulações promovidas por Alcolumbre deixaram o PL de Bolsonaro isolado no confronto a ser travado, nesta semana, pelas cadeiras das principais comissões.
INTERESSE
Além de manter o controle da Codevasf em dobradinha com o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil na Câmara, e de capturar estruturas ligadas aos ministérios da Integração e das Comunicações, entre outras, Alcolumbre retornará à presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). É ali que desembarcam todos os projetos de interesse do Planalto.
“Desde a transição de governo, o senador Alcolumbre mostrou que tem liderança. Ele é um importante articulador no Senado, para além do seu partido, e cumpriu o compromisso na eleição do Pacheco”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
O estilo de Alcolumbre, porém, provoca insatisfação de muitos de seus pares. A queixa é a de que ele se comporta como detentor de um monopólio no Senado e assume o papel de porta-voz do União Brasil nas negociações com o Planalto, sem ouvir as bancadas. “Davi não é Davi. É o Golias. O Davi sou eu. Ele atropela o Congresso”, resumiu o senador Renan Calheiros (MDB-AL), em 2019, ao retirar a candidatura à presidência do Senado após perceber que perderia para Alcolumbre, até então um político do baixo clero. De lá para cá, no entanto, Renan se reconciliou com o adversário.
Impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de buscar a reeleição, Alcolumbre vestiu o figurino de fiador de Pacheco e pôs no jogo o orçamento secreto, distribuindo dinheiro público para aliados. Na Câmara, a tarefa ficou com Lira, chefe do Centrão. “Davi exerce o poder em benefício próprio e é a eminência parda do Pacheco”, descreveu o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). “A CCJ, sob a presidência dele, teve um apagão, com apenas seis reuniões deliberativas em um ano.”
Em 2021, Alcolumbre segurou por quase cinco meses na CCJ a sabatina de André Mendonça, o nome “terrivelmente evangélico” de Bolsonaro para o Supremo. Motivo: queria que o indicado fosse o procurador-geral da República, Augusto Aras. Não conseguiu.
No ano passado, o senador tentou votar às pressas uma PEC de sua autoria para permitir que parlamentares ocupassem embaixadas sem perder o mandato. Sofreu outro revés. Agora, até no União Brasil há dúvidas se ele entregará a Lula os votos prometidos no plenário. “Essa eleição provou que na agressão não se constrói nada”, reagiu Alcolumbre. Com planos de ser novamente presidente do Senado, a partir de 2025, o “camaleão” está à espreita: se as coisas se complicarem, tem no radar até mesmo uma possível filiação ao PSD de Pacheco.
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