Sob Bolsonaro, Codevasf acumulou contratos de pavimentação com indícios de superfaturamento, diz CGU

POLÍTICA

A Codevasf, companhia responsável por obras hídricas no Nordeste e em áreas da região Norte e Sudeste, acumulou irregularidades na execução de contratos de pavimentação, além de indícios de superfaturamento em licitações e maquiagem na prestação de contas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo relatório da Controladoria-Geral da União ao qual CartaCapital teve acesso.

Os contratos analisados pela CGU foram firmados nos últimos anos na Bahia, Sergipe e Amapá e, somados, chegam ao montante de 100 milhões de reais. A maioria dos serviços foi prestada pela Engefort, a empreiteira maranhense que conquistou parte das licitações na gestão do ex-capitão.

Sob Bolsonaro, a Codevasf foi entregue a lideranças do Centrão em troca de apoio no Congresso. A estatal, comandada pelo engenheiro Marcelo Moreira desde 2019, é alvo de apurações por suspeitas de corrupção em obras de pavimentação.

Na Bahia, a CGU encontrou inúmeros problemas em obras conduzidas pela Engefort nas cidades de Campo Formoso, Feira de Santana, Filadélfia, São Domingos e Senhor do Bonfim: é o caso de buracos, rachaduras, afundamento de calçadas por falta de drenagem, além do descolamentos das sarjetas.

A Controladoria ainda concluiu que os serviços foram iniciados sem projeto prévio e não consideraram a necessidade de reparos anteriores à pavimentação, como intervenções relacionadas à drenagem de águas pluviais. No relatório, o órgão também aponta para o superfaturamento em 1,2 milhão de reais no valor total do contrato celebrado em 2020 com a estatal.

Após a auditoria, diz o documento, a Codevasf reconheceu que houve pagamentos “indevidos” à empresa e pediu o ressarcimento de 2.4 milhões de reais aos cofre públicos.

Distante cerca de 271 quilômetros de Feira de Santana, onde os auditores da CGU flagraram um pavimento feito pela Engefort totalmente destruído, Lagarto, na região centro-sul de Sergipe, também apresentou cenário semelhante.

O relatório aponta problemas como o afundamento e desagregação de asfalto e calçamento, acúmulo de água, deformação do pavimento, rachaduras e descolamentos. Irregularidades também foram encontradas em obras em Estância, Japaratuba, Itabaianinha, Tomar do Geru, Umbaúba, Salgado e São Domingos.

“[Os problemas] podem ter sido originados de falha de projeto e/ou execução dos serviços e que necessitam ser apurados com vistas à identificação de responsabilidade para a realização da correção/refazimento dos serviços”, afirma a CGU.

A análise de outros contratos firmados pela Codevasf nas cidades sergipanas ligaram o alerta amarelo no órgão, que suspeita de falsificação na prestação de informações. Isso porque, segundo o órgão, os auditores encontraram inconsistências nos diários de obra, que não registram os locais de execução dos serviços e repetem os nomes dos mesmos profissionais em todas as atividades.

“Foram incluídos, na mesma folha do diário, municípios com distâncias de até cerca de 200 quilômetros entre si, como exemplo a obra de nº 04 que contempla vias dos municípios de Propriá/SE e Umbaúba/SE”, diz um trecho do relatório.

Dentre as irregularidades apontadas pela CGU ainda está a desatualização de valores para a prestação dos serviços, pavimentação em espessura menor que a contratada e feita com material diferente do previsto em licitação.

Em 2019, a Codevasf reduziu o preço, por metro quadrado, dos serviços de pavimentação de 79,40 reais para 69,85. A norma, porém, não foi seguida nos contratos referentes às obras em Sergipe. De acordo com a auditoria, em apenas dois contratos, o sobrepreço chega a mais de 740 mil reais.

Os indícios de superfaturamento também foram identificados em contratos do Amapá analisados pela Controladoria, que calcula cerca de 1,4 milhão em sobrepreço, 592 mil em prejuízo e 1,9 milhão em superfaturamento.

Durante os quatro anos do governo Bolsonaro, a estatal também foi utilizada para escoar emendas do Orçamento Secreto, uma espécie de moeda de troca entre o governo federal e o Congresso Nacional, com a aquisição de tratores, instalação de cisternas e obras de pavimentação.

Mesmo após a derrota do ex-capitão para Lula (PT), o comando da Codevasf deve ficar sob a tutela do União Brasil, que pretende manter Moreira na presidência do órgão. O engenheiro foi indicado pelo deputado federal Elmar Nascimento (BA), considerado por petistas como uma “pedra do sapato” à formação da base do governo na Câmara.

O parlamentar chegou a ser cotado para assumir o Ministério da Integração Nacional, mas teve o nome vetado por petistas da Bahia, que resgataram declarações de ataques a Lula durante a campanha eleitoral. Após ser preterido, Elmar passou a mandar recados ao Palácio do Planalto sobre a “independência” da bancada do partido no Congresso.

A solução para os rompantes do deputado seria mantê-lo com o comando da estatal, mas trocar os superintendentes regionais. Em Sergipe, por exemplo, preside a superintendência o bolsonarista Marcos Alves Filho, sobrinho da ex-senadora Maria do Carmo (PP) – em janeiro, ele esteve no Quartel-General do Exército, onde extremistas pediam intervenção militar.

Com as denúncias de irregularidades na Codevasf, porém, aliados de Lula temem que as investigações respinguem no governo.

Como mostrou CartaCapital, o relatório pode aumentar a temperatura na relação de Elmar com o Planalto. Em dezembro passado, o órgão apontou para o envolvimento do deputado com mal feitos em doações feitas pela unidade da estatal na Bahia. De acordo com o relatório da auditoria, cerca de 100 milhões de reais foram doados em forma de veículos e equipamentos sem nenhum critério técnico e mediante cobrança de taxas. Os itens, revelou a CGU, foram parar em imóveis particulares e entidades ligadas a políticos.

Procurados pela reportagem, a Engefort, a Codevasf e o deputado Elmar Nascimento ainda não se manifestaram. O espaço segue aberto.

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