Língua afiada e bom humor, as armas do ministro que desarmou o golpe

POLÍTICA

Às vezes é o sucesso que cobra o maior preço, e essa é a melhor maneira de descrever os problemas que o ministro da Justiça, Flávio Dino, está enfrentando entre os governistas e a oposição. Na Esplanada, seu brilho próprio ofusca os aliados, especialmente os petistas, enciumados pelo seu destaque no terceiro governo Lula.

Já a oposição não perdoa a ação decisiva de Dino contra os ataques de 8 de janeiro e seu enfrentamento de peito aberto contra bolsonaristas. Frequentemente ele ganha duelos verbais com língua afiada e bom humor, o que tem lhe dado popularidade especialmente nas redes sociais.

“Não me considero candidato ou em campanha para ministro do STF. Eu sou ministro do presidente Lula. Ele nunca falou ou cogitou esse assunto comigo, nem eu com ele.” Flávio Dino, Ministro da Justiça.

O começo não foi fácil. Poucos dias após a posse, escolhido para a espinhosa missão de liderar no auge da polarização política a pasta da Justiça, sob a qual se encontra a política de Segurança Pública e a própria Polícia Federal, o ex-governador e senador eleito do Maranhão teve que desarmar os ataques às sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, quando enfrentou generais e foi firme na punição aos golpistas.

Em negociações frenéticas de bastidores, designou seu braço direito no Ministério e antigo secretário de comunicação no Maranhão, Ricardo Cappelli, como interventor na Secretaria de Segurança do Distrito Federal.

Em entrevistas e intervenções públicas, procurou assegurar a retomada do controle sobre as sedes dos Poderes e restabelecer a ordem, assegurando que as punições seriam severas. Deu trabalho, mas funcionou.

Dino é um antigo aliado de Lula, foi filiado ao PT no início da carreira, mas não é do ninho petista. Foi o primeiro governador eleito pelo PCdoB e deixou a legenda comunista em 2021 para ingressar no PSB, mesmo partido do vice-presidente, Geraldo Alckmin.

Enfrentou o clã Sarney no Maranhão contra a vontade do PT, elegeu-se duas vezes governador e conquistou uma cadeira no Senado pelo estado em outubro passado, até ser convidado por Lula para o Ministério.

Por sua atuação contra os golpistas e pela desenvoltura que demonstrou no debate público contra o extremismo, entrou na mira dos bolsonaristas. Já foi alvo de 81 pedidos de convocação no Congresso.

“Se eu me oferecesse a constar do Guinness Book, entraria”, brinca.

Com respostas afiadas e um estilo “bateu levou”, desconcertou os críticos e criou frases espirituosas que inundaram as redes sociais.

“Aqueles que estão ali apenas para aparecer, fazer videozinho de internet, podem ter certeza que não é apenas meu direito, é minha obrigação dar a resposta adequada”, diz.

Com isso, ganhou visibilidade e até supriu uma deficiência do governo, que tem dificuldades em combater o cancelamento bolsonarista na internet. O ministro já tem 1,2 milhão de seguidores no Instagram, e um número semelhante de internautas o acompanha no Twitter.

A visibilidade de Dino
A popularidade do ministro tem duas explicações, segundo Leonardo Nascimento, cientista social e pesquisador do Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA, que monitora grupos e canais de extrema-direita no Telegram.

“Ele é o que mais se coloca, e de maneira mais incisiva, em relação a lideranças que apoiam Bolsonaro. Além disso, está vinculado ao Ministério da Justiça — ocupa uma posição estratégica para todos aqueles que se sentiram acuados, vilipendiados ou injustiçados ao longo dos quatro anos do último governo”, diz.

Dino tem, portanto, uma posição que faz com que haja uma reação maior, dos dois lados, em relação à sua figura.
* Quem apoia o governo Lula vê no ministro um paladino, alguém que está ali para fazer cumprir a justiça necessária.
* Já aqueles que se sentem perseguidos veem nele um algoz, alguém que não deveria agir da forma como está agindo.

“Especialmente no Telegram, a figura do Flávio Dino desperta uma ira absurda nos apoiadores de Bolsonaro. Basicamente, falam sobre o peso e a sexualidade dele”, diz o especialista.

Tudo não passa de linchamento típico das redes sociais. Ex-juiz federal, tendo ingressado na carreira judiciária passando em primeiro lugar, o ministro está no segundo casamento e teve quatro filhos. O segundo faleceu de uma crise de asma.

Enquanto o governo ainda luta para ter uma presença ativa no ambiente hostil da internet, o ministro nada de braçada, sabendo usar a linguagem das redes sociais.

Para o especialista da UFBA, o atual governo continua extremamente analógico e ainda não se encontrou em relação a como lidar com a comunicação por meio das redes.

“Daí se tem fenômenos como esse, em que determinados ministros aparecem mais, ou têm uma visibilidade maior, quando deveria ser algo unificado, do governo como um todo.”

O desprendimento de Dino também ajuda. No Carnaval, ele foi filmado em São Luiz pulando efusivamente em um trio elétrico com Vanessa da Mata, imagem que viralizou e atraiu a atenção até do presidente Lula, que em mais de uma ocasião brincou com o excesso de peso do auxiliar.

Isso fez várias pessoas reclamarem de preconceito e uma certa gordofobia por parte do chefe do Executivo, mas tudo é levado na esportiva pelo titular da Justiça. “Encaro essas manifestações como de fato são: brincadeiras. Nunca me senti ofendido. Procuro sempre manter o bom humor”, rebate.

No Congresso, o estilo brigão desarmou os adversários. Em um embate com Flávio Bolsonaro, que o questionou sobre ações contra o tráfico de drogas e milícias, o ministro disse que o senador “conhecia muito de perto o tema”.

O deputado bolsonarista André Fernandes (PL-CE) insinuou que Dino responde a 277 processos e levou uma invertida. “Essa informação se insere mais ou menos no mesmo continente mental de quem acha que a Terra é plana”, fuzilou o ministro.

A performance diminuiu o apetite da oposição em chamá-lo para as comissões. “O Flávio Dino estava dando um show. Por isso eles cessaram. Foi um erro na condução daqueles que fizeram isso. O ministro era o que eles mais queriam trazer, por causa do 8 de janeiro. Queriam envolvê-lo, mas deram um tiro no pé”, diz José Guimarães, líder do governo na Câmara.

Elogios da oposição
Apesar disso, Guimarães evita alimentar o protagonismo do ministro e diz que todo o elenco governista se destacou. “Trouxemos 28 ministros à Câmara no primeiro semestre. O governo não tem nada a esconder. Todo mundo veio, participou. Todos se saíram muito bem”, afirma.

Já na oposição, Dino acabou ganhando o respeito até de figuras de proa do bolsonarismo. O deputado e pastor Marco Feliciano (PL) disse, em março, que o ministro “deu um passeio na Comissão da Constituição e Justiça e engoliu uns dez deputados”.

A ex-ministra dos Direitos Humanos e senadora Damares Alves (Republicanos) se derreteu em elogios: “Considero o ministro Dino, se não o mais inteligente de todo o governo Lula, um dos mais inteligentes”, disse ao comentar que o titular da Justiça pode ter sido mal assessorado no dia 8 de janeiro.

Com esse estilo, Dino tenta reverter o ambiente de polarização e fazer avançar pautas delicadas e urgentes, como o reforço da Segurança Pública ou o desarmamento.

Mas ele tenta ser didático e razoável, procurando um meio-termo que evite embates desnecessários, como no caso da posse de armas. “Podem existir pessoas armadas na sociedade. Em muitos sentidos, é imprescindível. Mas nas mãos de quem? Não se trata de desarmar todos, mas manter as armas nas mãos de quem pode e sabe usá-las. O que aconteceu com esse armamentismo irresponsável é que a fronteira foi rompida”, diz. “Ter controle sobre a proliferação de armas é também enfraquecer o poder das organizações criminosas”, ensina.

Ele já percorreu 16 estados para promover o lançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que visa os 163 municípios com maior índice de violência.

Como é do feitio do ministro, e ao contrário do que aconteceu na última gestão, a ideia não é aumentar a truculência, mas promover a cidadania, como a defesa das mulheres. Também há farta entrega de viaturas e equipamentos.

O avanço da violência nas escolas também tem mobilizado o ministro, que já abriu conta na recém-criada rede Threads, onde anunciou a prisão de um investigado pelo ataque ocorrido a um colégio em Cambé (PR), em 19 de junho.

Ele costuma anunciar também nas redes novas investigações e providências contra possíveis crimes. Outro filho de Bolsonaro entrou no seu radar por causa disso. No dia 9, Eduardo Bolsonaro disse que não há diferença entre “professor doutrinador e traficante de drogas”.

Deu a declaração em um evento pró-armas, em Brasília, ao defender a família e o direito à legítima defesa. “Determinei à PF que faça análise dos discursos proferidos neste domingo, dia 9, em ato armamentista, realizado em Brasília. O objetivo é identificar indícios de eventuais crimes, notadamente incitações ou apologias a atos criminosos”, reagiu o ministro nas redes.

A firmeza institucional em um momento de crise e a habilidade de comunicação aumentaram seu status político e já levaram a especulações sobre voos mais ambiciosos. Seu nome está circulando como um possível indicado ao Supremo Tribunal Federal, na vaga que será aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, em outubro.

Ele nega que tenha sido sondado por Lula ou que tenha essa pretensão. Mas o ministro Alexandre de Moraes, que com sua toga e muita firmeza desarmou uma tentativa de golpe que parecia prosperar desde o ano passado, recebendo o apoio dos colegas, já teria avisado recentemente o presidente de que o nome de Dino seria bem visto na Corte.

Dino já tinha causado calafrios entre os petistas com sua expansão na Esplanada. Agora é a vez de os corredores do Judiciário ferverem.

Entrevista com o ministro da Justiça, Flávio Dino.
“A inelegibilidade de Bolsonaro enfraquece o extremismo”

O ministro é bastante específico em sua análise sobre o ex-presidente Bolsonaro. Para Dino, ele deixou sinais claros de responsabilidade pela tentativa de golpe no 8 de janeiro, mas afirma que a ação que o declarou inelegível deve conter o avanço da extrema-direita no País.

O sr. tem dito que ao ver, da sua janela, a multidão derrubando grades e invadindo as sedes dos Três Poderes, temia que o governo perdesse o controle e o golpe se consumasse. Acha que o Alto Comando do Exército apoiaria o golpe?
Não apoiou e, por isso, ele não ocorreu. Tivemos desde o dia 30 de outubro até dia 8 de janeiro reiterados ensaios ou tentativas que visavam a atrair as Forças Armadas e outros setores sociais para essa alternativa golpista. Essa tal adesão não se verificou. Por isso, estamos hoje com o Estado Democrático de Direito preservado. Reconheço o papel que as Forças Armadas tiveram na defesa da Constituição. Houve, evidentemente, a participação por omissão ou por ação de militares, infelizmente. Mas o receio que tive naquela tarde era pelo risco de uma espécie de efeito dominó. Na medida em que se tem a invasão das sedes dos Três Poderes, isso poderia funcionar como símbolo, sinal ou chamamento para que outros fizessem coisas semelhantes nos estados. E, eventualmente, essas pessoas que tramaram o 8 de janeiro podiam imaginar que haveria uma movimentação institucional das Forças Armadas. Não houve. E isso é importante. Isso frustrou o intuito golpista daquela tarde.

Não era, portanto, uma revolta só de arruaceiros? Era uma tentativa de golpe estruturada, com a participação de militares graduados?
Isso é importante destacar. Há uma visão de que aquilo seria uma ação individualizada de arruaceiros. Posso afirmar cabalmente que as apurações empreendidas mostram que havia planejamento, articulação, ação orquestrada e engendramento que levou à perpetração daqueles atos. Existiram meros arruaceiros ali? Sim. Mas, por cima daquilo que se via, houve aquilo que não se via. E as investigações estão revelando que houve a ação de incitadores, organizadores, financiadores e articuladores, que desde o 30 de outubro tentavam um caminho de realização de um golpe de Estado no Brasil.

O sr. está convencido de que a articulação do golpe contou com a conivência de Bolsonaro? Afinal, teve a minuta do golpe com Anderson Torres e as mensagens trocadas com Mauro Cid, certo?
Acho que as palavras exatas são essas: Bolsonaro deixou pegadas e rastros. Ainda não temos provas, no sentido jurídico da palavra. Há indícios que se somam, na medida em que mais pessoas próximas a ele se veem incitadas, referidas, envolvidas e abrangidas pela investigação. Como ministro da Justiça não posso antecipar conclusões. Mas temos duas certezas. A primeira: há uma responsabilidade política do ex-presidente. A segunda: as investigações vão na direção correta de revelar todos os responsáveis jurídicos pelos crimes que foram cometidos.

“Bolsonaro deixou pegadas e rastros. Há indícios, com pessoas próximas a ele”
Como o sr. avalia a pena de inelegibilidade de Bolsonaro? Acredita que a saída do ex-presidente do jogo democrático do processo eleitoral poderá pacificar o País?
Temos de ver que Bolsonaro é a expressão de um movimento extremista, ou seja, há um movimento maior do que a figura individual do ex-presidente. De um lado, a inelegibilidade enfraquece esse movimento, uma vez que ele é o expoente. Por outro lado, não significa o desaparecimento.

A catequese democrática continua necessária para superar as raízes desse nocivo movimento, que propaga ódio e violência o tempo inteiro. Veja a situação dos ataques contra escolas. Por que isso se multiplicou exatamente nos anos mais recentes? Porque esse extremismo caminhou para muito além da figura pessoal de Bolsonaro.

Há extremistas que hoje tramam e executam ataques contra escolas porque enxergam que isso seria uma espécie de via legítima para mostrar algum tipo de inconformismo. A inelegibilidade de Bolsonaro enfraquece essa gente, mas é preciso continuar a trabalhar para que a democracia mostre todas as suas virtudes. Ao ponto de dissuadir o engajamento nessa proposta de violência generalizada, que o extremismo apresentou ao País.

O Brasil vai, aos poucos, retomando seus caminhos da plena democracia. O sr. acha que as instituições democráticas não correm mais riscos de uma ruptura?
O risco é pequeno a curto prazo. Agora, nós não podemos, num discurso triunfalista e, num certo sentido, ingênuo, afirmar que o risco é zero. No momento atual, ele é tendencialmente zero. Mas é preciso fazer o principal, que é melhorar a vida do povo. Quanto mais a vida melhora, maior o apoio e a ideia de que a democracia é um regime insubstituível. A democracia tem dimensão procedimental e processual. Por exemplo, o voto livre e periódico. Mas a democracia também exige uma dimensão material e substancial. Quer dizer: garantir que os direitos cheguem nas casas das pessoas. Quando isso acontecer de modo pleno, aí, sim, podemos falar de risco zero contra a democracia no Brasil.

O sr. entende que Lula age certo ao atrair o apoio de forças conservadoras para aprovar suas propostas no Congresso, como a Reforma Tributária e o arcabouço fiscal? O toma lá dá cá de cargos e emendas parlamentares não pode contaminar o governo e entregar maior poder para políticos que visam apenas a se locupletar?
O cientista político e sociólogo Max Weber cunhou uma expressão chamada ética da responsabilidade ou ética do resultado. Uso essa lembrança para dizer que o critério do certo na política é mensurado sobretudo pela capacidade das suas atitudes de gerar bons resultados para a população. Considerando a realidade, não é que o governo esteja diante de uma opção. O governo está diante de uma imposição.

Só é possível governar e melhorar a vida do povo negociando amplamente. Essa frente ampla, inclusive com setores à direita, permitiu a nossa vitória eleitoral. E essa dita frente ampla, inclusive com setores conservadores, é essencial para que consigamos aprovar nossas teses no Congresso. A questão fundamental é: não perder a marca principal.

Não perder os compromissos principais. Isso o presidente Lula tem enfatizado e praticado largamente. As alianças políticas fazem parte da vida numa sociedade plural em que se tem de negociar com quem pensa diferente e que está representado nos espaços de poder. O presidente Lula tem sido firme na defesa dos itens programáticos principais que levaram à nossa vitória eleitoral. Por isso, acho que o governo está, sim, no caminho certo.

O sr. tem se destacado no Ministério ao ponto de muitos cogitarem que o sr. possa ser indicado a ministro do STF. O sr. gostaria de ser ministro do Supremo?
Eu tenho 55 anos e 33 de atuação profissional, o que me permite ter aprendido certas coisas. Uma delas é que não existe candidatura e campanha para ser ministro do Supremo. Não me considero candidato ou em campanha para este objetivo. Eu sou ministro do presidente Lula. Sou senador até 2030 e executo essas tarefas. O presidente Lula nunca falou ou cogitou esse assunto comigo, nem eu com ele. Eu não falei e jamais falarei. Cada dia com sua agonia. Quem sabe um dia isso se coloque, daqui a um mês, um ano ou dez anos. No momento presente esse tema não existe.

Durante certo período em que era convocado com frequência para depor no Congresso, o sr. se destacou ao enfrentar a oposição sempre com respos tas desconcertantes. O sr. chegou a ser chamado de ministro lacrador.
No momento atual, é preciso ter firmeza no enfrentamento com essa gente. A forma de responder é ditada pela conjuntura e leitura de quem faz a pergunta. Quem acompanhou os convites e convocações sabe: quando eram questões colocadas com seriedade, eu respondia com congruência e simetria. Acusações levianas, agressões, ataques e aquilo que genericamente se chama de baixaria, não posso levar a sério. Não se trata de busca de lacração — que nunca busquei, até porque sou uma pessoa séria. Trata-se de dar o tratamento adequado de acordo com o estilo. Eu respondo, não formulo as questões. Se alguém me ameaça e agride, terá uma resposta com firmeza. Se for alguém sério, terá uma resposta séria. Se for alguém destituído de qualquer compromisso ético e moral, tenho que responder de uma forma que se evidencie que aquele interlocutor é desqualificado.

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