Polícia Federal pede a quebra de sigilo de Bolsonaro e indica novos desdobramentos no caso das joias

POLÍTICA

A Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Jair Bolsonaro na investigação sobre o desvio de presentes recebidos em viagens oficiais pelo governo anterior. A corporação também deseja ouvi-lo no inquérito.

Embora a operação deflagrada pela PF nesta sexta-feira 11 não tenha Bolsonaro como um de seus alvos formais, ele está implicado em diversos trechos de um relatório enviado pela corporação ao Supremo.

A PF entende que a tentativa de vender itens recebidos em viagens oficiais está diretamente ligada ao uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens.

Após o desvio, sustentam os investigadores, houve um movimento de ocultação dos recursos provenientes da negociação. Segundo o documento, “os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República”.

O relatório também transcreve um áudio em que o tenente-coronel Mauro Cid, braço direito de Bolsonaro, sugere a outro assessor que o ex-capitão seria o destinatário de 25 mil dólares em dinheiro vivo. “Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente (…) E aí ele poderia levar”, disse o militar.

CartaCapital apurou que a Polícia Federal também intimará a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro a prestar depoimento, uma vez que ela foi citada em conversa de assessores de Jair Bolsonaro sobre presentes desviados. A oitiva não deve ocorrer nos próximos dias, mas a PF segue reunindo elementos sobre o suposto esquema.

A operação contra aliados de Bolsonaro lança uma nova suspeita na já extensa lista de acusações das quais o ex-presidente tenta se livrar: a de que ele embolsou dinheiro vivo proveniente da venda irregular de objetos que, por seu valor, deveriam ser do Estado brasileiro.

Bolsonaro preso?

Diante do cerco que se fecha sobre Bolsonaro, uma pergunta reapareceu: há chances reais de ele ser preso? Para o jurista Lenio Streck, pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional, há elementos objetivos que justificariam a medida.

“Um dos requisitos para a prisão é se o indiciado pode obstruir a obtenção de provas. Ora, um ex presidente detém ainda poder sobre seus ex-subordinados”, avalia. “O caso do relógio e agora o áudio dos 25 mil dólares ligam Bolsonaro ao crime de peculato. Mas tem mais coisas, evidentemente.”

Streck entende que, atualmente, há pessoas sendo presas “por muitíssimo menos coisas”. Segundo ele, o Ministério Público Federal deve se atentar a esse cenário para não terminar ainda mais fragilizado.

“No caso Silvinei [Vasques, ex-diretor da PRF], se colocou contra a prisão. E por óbvio Silvinei deveria ser preso. Foi a PF que se ‘mexeu’. E, ao mesmo tempo, o MP sustenta a prisão de pessoas por crimes pequenos Brasil afora. Há que ter coerência e isonomia. A sociedade está de olho nas instituições.”

Linhas cruzadas

A investigação sobre as joias, porém, não termina em si mesma. A decisão de Moraes que autorizou a operação de busca e apreensão deixa clara a constatação da Justiça de que há um elo entre o escândalo mais recente e inquéritos que há tiram o sono de Bolsonaro.

Segundo o ministro, os indícios obtidos pela PF no caso das joias evidenciam “a conexão probatória” com investigações que já tramitam no STF, como o Inquérito das Fake News e do Inquérito das Milícias Digitais. Bolsonaro é formalmente investigado no primeiro e participante indireto do segundo.

Ainda nesta sexta, a relatora da CPMI do 8 de Janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), defendeu que a comissão apure se a tentativa do governo Bolsonaro de vender as joias tinha o objetivo de financiar atos golpistas. O presidente do colegiado, Arthur Maia (União-BA), é contra a ideia de entrar na investigação, mas a sorte está lançada.

Bolsonaro acumula derrotas e vê o cerco se fechar também contra alguns de seus aliados mais próximos desde que se tornou inelegível, em 30 de junho.

De lá para cá, houve:

➡ a prisão de Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF por suspeita de atuar para dificultar o trânsito de eleitores de Lula em 2022;
➡ o depoimento à CPMI de Mauro Cid,  preso por suspeita de fraude em cartões de vacinação – inclusive o de Bolsonaro;
➡ a operação da PF contra Walter Delgatti e Carla Zambelli, que levou Bolsonaro mais uma vez ao centro da trama golpista;
➡ e o depoimento do ex-ministro da Justiça Anderson Torres à CPMI – usando uma tornozeleira eletrônica.
A PF tem emitido sinais frequentes de que as investigações contra Bolsonaro se cruzam. Conclusões do relatório que sustentou a ordem de prisão de Silvinei apontam que os bloqueios registrados no dia do segundo turno não são fatos isolados, mas parte de um processo iniciado em 2019 e baseado na divulgação de fake news.

Os objetivos, de acordo com a corporação, eram desacreditar o processo eleitoral, reforçar a polarização e gerar um clima de animosidade e descrédito dos Poderes, culminando nos atos golpistas de 8 de Janeiro,

Outra frente com a qual essa investigação da PF pode se ligar envolve um inquérito da PGR que busca determinar se Bolsonaro foi um dos instigadores dos ataques às sedes dos Três Poderes.

Enquanto isso, Jair Bolsonaro permanece calado. Parece receoso em reeditar, longa da cadeira de presidente, as bravatas disparadas contra as instituições ao longo dos quatro anos anteriores.

*** Informações com ➡ Carta Capital

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