O prognóstico é traçado pelo promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que investiga o PCC há duas décadas e já foi alvo de um plano de sequestro e assassinato da facção, descoberto pela Polícia Federal (PF) no ano passado.
Em entrevista ao Metrópoles, Gakiya afirma que a atual guerra interna na cúpula do PCC, a quarta em 30 anos de existência da facção, é a primeira que ameaça a liderança de Marcola desde que ele ascendeu ao posto de líder máximo da organização, em 2002.
“Na prática, o PCC rachou e, desta forma [ameaça seu líder], isso nunca aconteceu desde que o Marcola tomou o poder, lá em 2002”, diz Gakiya.
No racha de agora, a liderança de Marcola é contestada por três antigos aliados: Roberto Soriano, o Tiriça, Abel Pacheco de Andrade, o Abel Vida Loka – ambos faziam parte da alta cúpula desde 2002 – e Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho.
O principal motivo seria um diálogo gravado entre Marcola e agentes da Penitenciária Federal de Porto Velho (RO) no qual ele afirma que Tiriça seria um “psicopata”. A declaração foi usada por promotores no julgamento de Tiriça, que foi condenado a 31 anos de prisão, em 2023, como mandante do assassinato de uma psicóloga.
A fala de Marcola teria sido interpretada pelos antigos aliados como uma espécie de delação. Tiriça estava para sair da cadeia caso não fosse condenado, destaca o promotor do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MPSP).
“Esses caras [Tiriça, Abel Vida Loka e Andinho] ajudaram a fazer o PCC crescer, com eles todos na liderança. É gente do topo da pirâmide, parceiros muito próximos que, agora, são inimigos”, completa Gakiya.
“Salves” do PCC
O promotor conta que os dois lados da guerra na cúpula da facção transmitiram seus respectivos “salves”, como são chamados os comunicados internos do PCC, para decretar a expulsão dos rivais.
A diferença é que o grupo de Tiriça, considerado o 02 da facção até o racha, enviou a ordem apenas a outros membros importantes da organização que estão presos na Penitenciária Federal de Brasília, enquanto Marcola mandou um salve para fora do sistema carcerário, a fim de tentar garantir a fidelidade das lideranças do PCC que estão nas ruas, os Sintonias da Rua.
Além de rebater as acusações dos outros chefões sobre ter “delatado” Tiriça, Marcola comunicou no salve a expulsão dos três ex-aliados da cúpula e os “decretou” à morte.
“O Marcola, no salve enviado para a rua, afirmou que foi acusado injustamente por causa do áudio, enquanto o salve dos outros três líderes ficou restrito ao sistema carcerário. Com isso, ele ganhou o apoio das Sintonias da Rua, ao menos por enquanto”, diz Gakiya.
Nas ruas, aliados de Marcola começaram a tomar as “biqueiras”, como são chamados os pontos de venda de drogas em São Paulo, que pertenciam aos dissidentes. Familiares dos ex-líderes também já manifestam medo de perder seus bens adquiridos com o tráfico e o dinheiro do PCC.
Em meio à guerra na facção, setores de inteligência da Polícia Civil paulista identificaram a possível criação de uma nova organização criminosa, chamada de Primeiro Comando Puro (PCP), pelos agora rivais de Marcola. Investigadores do MPSP, incluindo Gakyia, monitoram de perto a situação, mas enxergam a possibilidade com ceticismo.
O promotor do Gaeco acrescenta que, em um primeiro momento, Tiriça, Abel e Andinho estão se movimentando nos bastidores para tentar reverter a expulsão decretada por Marcola. Como mostrou o Metrópoles, mais dois chefões do PCC se voltaram contra o líder máximo da facção: Daniel Vinicius Canônico, o Cego, e Reinaldo Teixeira dos Santos, o Funchal.
Caso eles sejam bem-sucedidos, esse pode ser o fim da era de Marco Willians Herbas Camacho como líder máximo da facção, após mais de 20 anos. Para Gakyia, mesmo que Marcola consiga se manter no poder, ele sairá da disputa enfraquecido.
“O PCC nunca mais será o mesmo depois desse racha”, diz o promotor.