Facções criminosas atuaram para interferir nas eleições em cidades do interior do Brasil: “Segundo relatório sigiloso das eleições de 2024 obtido pelo Fantástico”

Prefeito executado durante a campanha

Marcelo buscava a reeleição quando foi morto. Ele havia renunciado ao cargo em 2021, após receber uma oferta milionária do narcotraficante Francisco Deusamor Jácome, foragido da Justiça e aliado de Marcola, líder do PCC. A renúncia teria sido parte de um plano para colocar a irmã de Deusamor, Damária Jácome, como prefeita.

Em áudios obtidos pela polícia, Deusamor oferece R$ 500 mil a Marcelo para que ele deixasse o cargo. Na época, a proposta incluía a candidatura da irmã do traficante como vice. Mesmo sendo procurado pela Interpol, Deusamor fazia aparições públicas durante a campanha de 2020.

A ascensão de uma família ligada ao tráfico

Segundo a Polícia Civil, os irmãos Jácome têm histórico extenso de envolvimento com tráfico internacional de drogas. Antes de 2019, quatro deles já haviam sido condenados. Francisco Deusamor e Leidjan Jácome, por exemplo, movimentaram mais de R$ 30 milhões em entorpecentes, de acordo com as investigações.

Com a renúncia de Marcelo, Damária assumiu o comando da prefeitura e, em discurso, dedicou a vitória aos irmãos traficantes. Mesmo oficialmente fora da administração, eles seriam os verdadeiros gestores do município, controlando as decisões e os repasses de recursos — que somaram R$ 23 milhões em 2023, segundo o IBGE.

O retorno e a morte de Marcelo

A Justiça reverteu a renúncia de Marcelo em 2022, e ele reassumiu o cargo. Desde então, passou a colaborar com investigações sobre o esquema criminoso e, segundo a polícia, teria revelado o paradeiro de integrantes da família Jácome. Isso teria selado seu destino.

Durante a nova campanha eleitoral, a tensão aumentou. Marcelo era novamente candidato, desta vez pelo União Brasil, e enfrentava Damária, agora no Republicanos. Pouco antes da morte do prefeito, a adversária chegou a declarar: “O que vem por aí, talvez tenha gente que nem aguente”.

O atentado

Em agosto de 2023, Marcelo foi morto a tiros ao lado do pai enquanto estavam em uma barbearia. A investigação revelou que os autores do crime estavam escondidos em um sítio da família Jácome, onde planejaram o ataque. Um dos criminosos chegou a gravar vídeos no local, chamando o grupo de “quadrilha cabulosa”.

Segundo os delegados responsáveis, os traficantes pensaram até em matar Marcelo durante um culto evangélico, mas recuaram por questões religiosas. Ao todo, nove suspeitos foram presos. Damária e outros três estão foragidos.

Interferência em outras cidades

O caso de João Dias não é isolado. Relatórios sigilosos da Polícia Federal revelam que facções tentaram influenciar eleições em ao menos 42 municípios nas últimas campanhas. Só em São Paulo, o PCC teria investido cerca de R$ 8 bilhões em apoio a candidaturas.

“Eles se infiltram onde há dinheiro público, onde podem lavar recursos e fortalecer suas redes. Cidades pequenas são alvos fáceis”, alerta Mário Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública.

A resposta das autoridades

A nova prefeita de João Dias, Maria de Fátima Mesquita da Silva, viúva de Marcelo, afirma que a cidade vive momentos de medo e instabilidade. A prefeitura diz estar trabalhando para restabelecer a ordem e a confiança da população.

A defesa das irmãs Jácome nega o envolvimento delas no assassinato e alega que ambas fugiram por estarem ameaçadas. A Polícia continua as buscas pelos foragidos.

“Estamos diante de um modelo sofisticado de ocupação do poder político por facções criminosas. O objetivo é claro: usar a estrutura pública para lavar dinheiro e expandir o domínio do tráfico”, conclui o delegado Carlos Fonseca.