Estudo revela que DNA dos cearenses tem predominância europeia e africana, aponta USP

Análise genômica com mais de 2 mil brasileiros

A pesquisa, intitulada “O impacto da miscigenação na evolução e na saúde da população brasileira”, analisou amostras de DNA de 2.723 brasileiros, representando diversas regiões do país. No panorama nacional, a média de ancestralidade foi de 60% europeia, 27% africana e 13% indígena — números que variam significativamente conforme a localização geográfica.

Ceará: presença indígena apagada pela história

No Ceará, a maior parte do DNA analisado revelou origem europeia, o que contrasta com os dados do Censo do IBGE. Segundo o instituto, 64,7% da população do estado se declara parda, 27,9% branca, 6,8% preta e apenas 0,6% indígena. A diferença entre genética e autodeclaração é reflexo da intensa miscigenação e do apagamento histórico dos povos originários, duramente impactados pela colonização a partir do século XVII.

Herdeiros de três mundos: Europa, África e povos nativos

A chegada dos colonizadores europeus, especialmente portugueses, consolidou a influência genética do continente. Ao mesmo tempo, o tráfico de escravizados trouxe majoritariamente africanos da região centro-oeste do continente. Os povos indígenas, que habitavam o Ceará há milênios, foram reduzidos drasticamente — e hoje, sua contribuição genética é mais visível nas linhagens maternas do que no reconhecimento social.

Genética revela desigualdades históricas

De acordo com os pesquisadores, o DNA paterno nos cearenses é majoritariamente europeu, enquanto o DNA materno tende a ser indígena ou africano. Essa disparidade evidencia as relações coloniais desiguais, nas quais mulheres indígenas e negras foram historicamente exploradas por homens europeus.

Variações genéticas e resistência a doenças

Além do mapa genético da população, o estudo identificou cerca de 78 milhões de variações genéticas, das quais 9 milhões eram inéditas. No Nordeste, foram encontrados genes associados a uma resposta imunológica mais forte — possivelmente conferindo maior resistência a doenças como tuberculose, malária, HIV e enfermidades autoimunes, em função da ancestralidade africana predominante na região.

Caminho para a medicina de precisão no SUS

Essas descobertas abrem portas para a chamada medicina de precisão: tratamentos e diagnósticos personalizados, com base no perfil genético de cada paciente. Isso pode levar, por exemplo, a rastreamentos mais eficazes de câncer hereditário ou a ajustes em prescrições de medicamentos, aumentando a eficácia e reduzindo custos.

Genomas Brasil: investimento estratégico para a saúde pública

O estudo integra o Programa Genomas Brasil, do Ministério da Saúde, que pretende sequenciar 100 mil genomas até 2026. Com investimentos que já somam R$ 25 milhões, o projeto visa transformar o SUS em um sistema mais inteligente, adaptado à diversidade genética do povo brasileiro.

Planejamento de saúde com base em dados reais

Segundo Evandro Lupatini, do Ministério da Saúde, o conhecimento genético poderá orientar a distribuição de medicamentos e o planejamento de tratamentos regionais. “Populações negras, por exemplo, têm resposta diferente a certos remédios. Com esses dados, podemos agir de forma mais eficiente”, afirma.

Com previsão de mais R$ 250 milhões em investimentos, o programa se mostra essencial para construir um sistema de saúde mais justo, eficaz e conectado à ciência — com base na riqueza genética única do Brasil.