Há alguns tipos de líderes que devemos tomar mais cuidados que outros — pelo menos se objetivo for desviar de caminhos pouco democráticos. E para identificá-los, faça um teste. Pense no mandatário da nação. Ele atenta contra outros Poderes? Ele ameaça resolver problemas macroeconômicos na canetada? Ele toma decisões de curto prazo para se manter no poder? Ele terceiriza a culpa? Se a resposta for sim para mais de dois pontos, fique alerta. Mas e se o sim valer para as quatro questões e essa tétrade antidemocrática ter sido cumprida em dez dias? Nesse caso você está diante do início da campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Desde o começo de junho ele tem elevado os ataques contra o Judiciário, falado com empresários em tom de ameaça sobre o preço dos alimentos, criando uma solução para os combustíveis que dura só até o pleito de outubro e chamando todos na política que não o apoiam de “bananas demagogos”.
Na terça-feira (14), antes de bater o martelinho na B3 com a privatização da Eletrobras, Bolsonaro esteve no Fórum Investimento Brasil 2022. Era hora de capitalizar também sua agenda positiva. Mas não foi o que o presidente fez. Em uma fala de mais ou menos 40 minutos, ele agiu como o Carluxo (apelido do filho do presidente conhecido por subir o tom nas mais variadas discussões virtuais). E ele não poderia ter feito isso num lugar pior. O encontro que deveria ser usado para acender um otimismo nos “donos do dinheiro” foi usado para o ataque ao STF. “É justo, meus senhores? O ministro [Edson] Fachin que tirou o Lula da cadeia, estará à frente do processo eleitoral? É justo ele [Fachin] se reunir com 70 embaixadores e falar para eles de forma indireta que eu estou solapando a democracia no Brasil?”. Depois de mais uma agenda de incontinência verbal ele deixou claro que irá contestar qualquer resultado da eleição.
Cinco dias antes foi a vez de os empresários, em especial os industriais e varejistas do ramo alimentar, ouvirem o presidente. Por meio de uma teleconferência, Bolsonaro pediu que eles “diminuíssem seu lucro ao menor patamar possível”, como um gesto de “boa fé com a economia e a população”. Alguns empresários mais alinhados ideologicamente foram efusivos nas palmas, mas há quem tenha visto a fala como uma ameaça. Alguns, em especial os que possuem operações também fora do Brasil, entenderam o discurso como indireta. Na última semana, o presidente garantiu que não irá tabelar os preços dos combustíveis, mas desviou do assunto quando perguntaram de outros itens, em especial aos relacionados à cesta básica.
Em sua live semanal Bolsonaro voltou a bater na tecla dos preços dos alimentos. Se isentou de responsabilidade na alta da inflação, culpando a guerra e os governadores. Segundo ele, o governo federal apresentou uma saída que “sem dúvida reduzirá os preços”. Ele fala do Projeto de Lei Complementar (PLP 18/2022), aprovado na terça-feira (14) no Congresso Nacional e que limita a incidência de ICMS nos combustíveis. A determinação é que a União compense parte das perdas nos estados só até 31 de dezembro deste ano, o que desencadeou tensão com governadores que se sentiram prejudicados pela medida.
PLANO DAS IDEIAS Ainda que ninguém perto de Bolsonaro confirme alguma intenção de tabelar preços na caneta, na Câmara dos Deputados a conversa é outra. Alguns deputados do PP e do PL já falam nos bastidores. A ideia é que, caso haja necessidade de congelamento, ele se dê por meio de decreto presidencial. E o Congresso poderia ajudar a sustentar a medida se conseguisse aprovar mais uma bizarrice. Uma tal de “PEC do Equilíbrio entre os Poderes” proposta de Domingos Sávio (PL-MG) que dá ao Legislativo autonomia para derrubar decisões do STF que não forem tomadas de modo unanime. Caso aprovada, a medida abriria um arcabouço de arbitrariedades que não eram vistas desde a ditadura militar.
O advogado constitucionalista Eristeu Soares, um dos consultores independentes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) espera ser consultado caso o assunto chegue às mãos dos senadores. “Essa é talvez a maior barbárie à Constituição já vista. Porque ela esvazia o Poder Judiciário”, disse. No caso de algum tipo de congelamento de preços, ainda que o STF derrube qualquer decisão do presidente, o Legislativo poderia (por um preço, claro) manter de pé a decisão. E aqui cabe outra rápida análise. Se há um teste para evitar cair em aventuras antidemocráticas, há outro para saber se já caímos. Quantos nomes de generais você sabe de cabeça? Você tem medo de que o presidente não aceite o resultado eleitoral? Você acha possível haver um fechamento ou esvaziamento do Judiciário? Se você respondeu sim para uma ou mais questões, se prepare, porque o primeiro grande teste da Democracia estreada por Tancredo Neves está por vir.
*** Informações com ➡ a jornalista Paula Cristina da Revista IstoÉ
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