Uma forte tempestade que fez o dia escurecer mais cedo, a noite sem lua e um horizonte que sumiu da vista do piloto Chester Hugh Skidmore provocaram um acidente que entrou para a história da Segunda Guerra Mundial em 13 de junho de 1942. Sete dos 10 passageiros a bordo do Avião Modelo Catalina 7252 do Esquadrão de Patrulha PV-083 da Marinha dos Estados Unidos (US Navy) morreram quando o hidroavião se chocou contra as águas do Oceano Atlântico que banham o litoral do Rio Grande do Norte nas proximidades de uma área conhecida como Pedra Gorda, entre as praias de Barra de Maxaranguape e Caraúbas.
A aeronave estava distante aproximadamente 40 quilômetros do destino, o antigo Aeroporto Internacional Augusto Severo, em Parnamirim, na Grande Natal. Esse sítio aeroviário serviu como umas das mais importantes bases militares norte-americanas fora do território estadunidenses durante o conflito bélico mundial.
Após anos de pesquisas, cruzamento de informações e uma pitada de sorte, os destroços do avião foram encontrados no dia 6 de junho, às vésperas do aniversário de 80 anos do acidente, a menos de um quilômetro da costa de Barra de Maxaranguape e a uma profundidade de 10 metros.
O que restou do avião, um bimotor utilizado como avião de patrulha que carregava bombas e outros armamentos utilizados pelas tropas americanas à época, foi encontrado durante um mergulho de treinamento pelo mergulhador profissional e instrutor Paul Bouffis, com mais de 30 anos de experiência.
Ele mergulhava ao lado de alguns alunos quando se deparou com a estrutura que lembra treliças de ferro utilizadas na construção civil, que na verdade eram as estruturas das asas do bimotor.
No momento, ele não conseguiu identificar, de imediato, que se tratava do Catalina do Esquadrão PV-083, uma aeronave alta e comprida, que fazia o transporte de armamentos e insumos dos Estados Unidos para as bases militares americanas no Brasil, África e Europa. Junto com o amigo historiador Fred Nicolau, ele procurava outro avião, um modelo B-25, utilizado como bombardeiro pelos americanos e que também caiu no litoral brasileiro nos anos 1950.
“Os pescadores da região, os pescadores artesanais, jamais nos informaram a localização dos destroços. Eles sabiam, mas não nos informavam. Nós cruzamos muitas informações, a partir de relatos em fóruns na internet que eu comecei a participar em 2003, conversas com combatentes da Segunda Guerra Mundial e leitura de relatórios de acidentes aéreos norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial que eu comprei na internet”, relata Fred Nicolau.
A paixão pela aviação e os assuntos ligados ao conflito da década de 1940 surgiu como um hobby na infância e foi amadurecendo ao longo da vida adulta. Hoje, Fred é curador do Centro Cultural Trampolim da Vitória, instalado no antigo Aeroporto Internacional Augusto Severo, em Parnamirim, na região metropolitana de Natal. Fred afirma que, pelo menos, 10 aeronaves militares americanas caíram no litoral brasileiro ao longo da Segunda Guerra Mundial.
O levantamento tem como base Relatórios Confidenciais da época que detalhavam as ocorrências às autoridades americanas e que hoje fazem parte de um acervo disponibilizado pelo governo dos Estados Unidos. No documento que relata o caso envolvendo o Catalina do Esquadrão PV-083, os mortos são identificados pela letra A.Os três militares sobreviventes são identificados pelas letras B e C, conforme o nível de ferimentos identificados.
Conforme relatos, eles ficaram à deriva por 18 horas até serem resgatados por pescadores da vila de Barra de Maxaranguape e, posteriormente, pelas tropas militares.
Comandados pelo presidente Franklin Delano Roosevelt, que chegou a visitar Natal e Parnamirim ao lado do presidente brasileiro Getúlio Vargas durante a Segunda Guerra Mundial, os americanos montaram bases militares em cidades consideradas estratégicas no Brasil. Belém, capital do Pará, era a porta de entrada das tropas oriundas dos Estados Unidos, Caribe, Guiana Francesa.
Em Natal, os combatentes abasteciam as aeronaves modelos A-20, B-17, B-24, B-25, B-26, B-29, C-47 e C-54 de armamentos e suprimentos encaminhados para tropas localizadas em países da África e Europa.
Os americanos criaram uma cidade militar conhecida como ‘Parnamirim Field’ no entorno da área do antigo Aeroporto Internacional Augusto Severo, considerado um dos melhores do mundo à época para pousos e decolagens de aviões de combate. Conforme o pesquisador Fred Nicolau, as aeronaves identificadas pela letra A eram as de ataque; as que tinham a letra B, eram os bombardeiros e as com a letra C, as de transporte de cargas.
“Todas elas subiam e desciam no Augusto Severo, cuja movimentação de tropas ocorria sem parar, 24 horas por dia. Em Natal, no estuário do Rio Potengi, na região conhecida como Rampa, subiam e desciam as Catalinas, por exemplo”, explica o pesquisador.
Para Fred Nicolau e Paul Bouffis, a descoberta dos destroços fecha um importante ciclo, mas também levanta uma discussão em torno da preservação do patrimônio histórico no Brasil.
“Os pescadores identificaram os destroços antes dos pesquisadores e iniciaram um processo de desmonte. Eles queriam as peças mais pesadas para vender como sucata. O Catalina se tornou uma jazida. Encontramos somente pedaços. Ao longo dos anos, as pessoas foram “minerando” o que sobrou do avião após o acidente. Nós não temos interesse em içar os destroços. Nosso interesse era na localização, em saber onde ele tinha caído, contar a história, registrar. O mais interessante de tudo é que foi um pescador bêbado, após uma longa conversa, que me confirmou o local quase exato da queda”, afirma Fred Nicolau.
Após o susto, quando confirmou que a estrutura hoje encoberta pela vegetação marinha se tratava de um avião de combate de um dos períodos mais emblemáticos da história mundial, o mergulhador Paul Bouffis comemora a descoberta.
“Eu não sabia a história do Catalina. Eu só pensava que era uma estrutura de construção civil, como uma grua, que tinha sido abandonada no mar. Mas não fazia sentido. Quando o Fred me contou, depois que mostrei as fotos para ele, eu fiquei muito emocionado. É um ciclo que se fecha. As famílias dos sete militares que morreram naquele dia hoje sabem onde eles estão. O mais emocionante é fazer o fechamento da história, o ‘closure’. Os familiares hoje sabem onde eles morreram e podem fazer um enterro simbólico, uma homenagem como nós já fizemos. Precisamos transformar aquele ponto em um santuário, em uma ‘War Grave’ (túmulo de guerra) como forma de homenagem”, declara Bouffis.
*** Informações com ➡ UOL
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