Novas suspeitas de interferência envolvendo o presidente Jair Bolsonaro (PL) levantadas a partir de interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal no caso do ex-ministro Milton Ribeiro podem, se comprovadas, levar o mandatário a responder por crimes comuns e de responsabilidade, dizem especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo.
Nesta terça-feira (28), a ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), mandou a PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestar sobre a abertura de um inquérito para investigar o presidente, diante da “gravidade do quadro narrado”.
Material gravado indica que Milton Ribeiro passou a suspeitar que seria alvo de busca e apreensão após uma conversa com Bolsonaro, em que o chefe do Executivo teria dito que estava com um “pressentimento” de que iriam atingi-lo por meio da investigação contra o ex-ministro.
Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura são acusados de comandar um balcão de negócios para liberação de verbas no Ministério da Educação (MEC). A suspeita de envolvimento do presidente fez o caso ser enviado ao Supremo.
O advogado de Bolsonaro Frederick Wassef negou a existência do diálogo entre o presidente e Ribeiro e disse que caberá ao ex-ministro explicar o uso “indevido” do nome do mandatário. Ele também reiterou que o presidente não interfere na Polícia Federal.
Especialistas ponderam que as revelações feitas até o momento levantam indícios que precisam ser comprovados, não sendo possível imputar crimes ao presidente antes do término das investigações.
Raquel Scalcon, doutora em direito penal e professora da FGV Direito de São Paulo, considera que a hipótese mais plausível para enquadrar as condutas do presidente seria pela Lei das Organizações Criminosas (lei 12.850/13), que prevê o crime de obstrução de Justiça.
O presidente também poderia responder por crimes contra a administração pública, como prevaricação, advocacia administrativa e violação de sigilo funcional, diz.
O diretor e 1º secretário do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Bruno Salles Pereira Ribeiro, também cita a lei 12.850/13 e acrescenta a possibilidade de responsabilização pelo crime de favorecimento pessoal, do Código Penal, se os delitos forem comprovados.
O advogado Renato Stanziola Vieira, diretor e 2º tesoureiro do IBCCrim e sócio fundador do escritório Kehdi e Vieira Advogados, diz que as chances de responsabilização dependerão da apuração provar que Bolsonaro sabia dos fatos. Em caso afirmativo, mais pessoas poderão responder criminalmente.
“Em qualquer das duas situações -favorecimento pessoal e violação de sigilo funcional-, além do presidente da República, e por se tratar de informação sigilosa, os demais agentes públicos que deveriam guardar sigilo sobre os fatos igualmente podem vir a ser responsabilizados criminalmente.”
Devido à prerrogativa de foro do cargo, Bolsonaro só pode responder por crimes comuns se houver uma denúncia do procurador-Geral da República, cargo exercido por Augusto Aras, que deve ainda ter o aval da Câmara antes de ter andamento no STF.
Scalcon (FGV) considera isso pouco provável. Porém, caso Bolsonaro não seja reeleito, ela destaca que haveria maior chance de prosseguimento e efetividade de investigações, já que uma resposta nessa esfera não dependeria mais do PGR.
Em relação aos chamados crimes de responsabilidade previstos na lei 1079/50, conhecida como Lei do Impeachment, a avaliação é de que há possibilidade de enquadramento em diversos artigos, mas que, por conta do fator político, as chances de o processo de impedimento avançar na reta final do mandato são poucas.
Ribeiro (IBCCrim) afirma que, embora legalmente possível, o pouco tempo, o acúmulo de pedidos de impeachment não analisados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ano eleitoral tornam essa via improvável.
Para o professor de direito constitucional da UnB (Universidade de Brasília) Mamede Said Maia Filho, não é possível esperar que a Câmara avalie o caso da mesma forma que o Judiciário.
Ele diz ainda que a abertura de um processo a essa altura funcionaria mais como um elemento de desgaste para a imagem de Bolsonaro, papel que pode ser cumprido pela CPI do MEC.
*** Informações com ➡ Folha de São Paulo
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