RÔMULO SARAIVA (FOLHAPRESS) – Em entrevista concedida ao Flow Podcast em 27 de setembro, o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, profetizou que o governo tem a ‘filosofia’ de promover mudanças previdenciárias para que o segurado que tenha salário na faixa de R$ 30 mil se aposente com R$ 5.000 ou “pouco mais do que isso”.
Se a ideia virar realidade, a proposta de Guedes autoriza que o segurado contribua ao sistema previdenciário por um valor, mas receba menos de 20% do que pagou. A justificativa apresentada pelo ministro é a de que os brasileiros são iguais perante a lei, e a forma encontrada para combater a desigualdade social no Brasil seria conceder benefício previdenciário na proporção de no máximo quatro ou cinco vezes o salário mínimo. “Se você teve o privilégio de ter uma boa educação, um bom salário e juntar dinheiro a vida inteira, você ainda quer que na velhice o Estado carregue também essa desigualdade?”
Mas ele assegurou que, na velhice, “o governo vai prover por vocês” no pagamento da aposentadoria, mas sem “aprofundar a desigualdade [social]”, dando a entender que não iria dar calote no benefício, mas que iria reduzi-lo drasticamente. Ele não explicou nem quando, nem como faria isso. Ou se a mudança abrangeria os antigos que estão pagando para se aposentar com tal padrão salarial ou apenas os novos filiados ao regime previdenciário.
Durante a entrevista, Guedes deu a entender que a culpa da desigualdade social estaria no pagamento desse tipo de aposentadoria. Ele prossegue dizendo que é necessário “reduzir a desigualdade e remover o privilégio” de tais pessoas. Com uma justificativa confusa para promover a redução salarial na aposentadoria, o ministro fundamenta que os brasileiros são iguais perante a lei, independente de ser “rico, pobre, se é mulher, se é homem, se é negro ou se branco”.
Na prática, a fala do ministro pode atingir em cheio a situação dos servidores públicos federais que estão trabalhando e se aposentarão no futuro, caso a mudança ocorra logo. Os servidores de estados e municípios também podem ser atingidos, considerando que o respectivo ente fez reforma previdenciária equivalente à que ocorreu no âmbito federal. Além deles, a possível mudança também pode abranger a situação específica de dependentes previdenciários do INSS aptos a receberem mais de uma pensão por morte, em razão do cônjuge ou companheiro (a) falecido (a) ter vinculação com mais de um regime previdenciário, o que gera acumulação de rendas que, somadas, podem extrapolar o teto máximo da Previdência Social no final do mês.
Informal, a entrevista do guru econômico do atual presidente da República não deve ser desprezada. As ideias que brotam na cabeça de Paulo Guedes costumam vingar ano (s) mais tarde, principalmente se for para gerar receita para o governo gastar com outros fins. Duas PECs (Propostas de Emenda Constitucional), com procedimento extremamente complexo de votação, teve o prenúncio vindo da cabeça dele: a PEC Kamikaze e a PEC do Bem.
Na mesma entrevista concedida ao podcast, Guedes confirma a força de suas ideias e a rápida repercussão que elas causam no Congresso Nacional. Ele diz que o governo teria que pagar R$ 90 bilhões de precatórios em 2020, mas que estaria faltando dinheiro para benefícios sociais e auxílio emergencial. Segundo o ministro, a decisão foi tomada –com a ajuda do Supremo Tribunal Federal, ainda que sem indicar qual ministro o ajudou– para usar parte do dinheiro dos precatórios e gastar com assistência. Coincidentemente, no ano seguinte nasceu no Congresso Nacional a Emenda Constitucional n. 114/2021, que parcelou o pagamento do precatório e concretizou a ideia do ministro.
A criação da “PEC do Bem”, que criou subsídio financeiro a caminhoneiros e taxistas para conter os efeitos do aumento da gasolina, é outro exemplo de uma ideia que vingou em seu cérebro e tornou-se uma emenda à Constituição.
Da mesma forma que ocorreu com os precatórios e a “PEC do Bem”, a redução drástica do teto de aposentadoria de R$ 30 mil para R$ 5 mil pode ocorrer num futuro próximo. É evidente que, como estamos em período eleitoral, a ideia só seguiria adiante com a reeleição de seu chefe, Jair Bolsonaro.
Mas, considerando a antipatia que o ministro nutre pelos servidores, a ponto de outrora tê-los chamado de parasitas, é possível que o público com esse patamar salarial, que recolhe a contribuição previdenciária em coerência, seja afetado por mais essa ideia de “minimização da desigualdade social” no Brasil.
Como tem ocorrido mudanças legislativas improváveis e rápidas, em sincronia com as ideias do ministro da Economia, não se pode negar a possibilidade de essa nova “filosofia” realmente atentar contra as aposentadorias com valores de R$ 30 mil, inclusive as que se acomodem no teto do funcionalismo público de R$ 39.293,32.
Do ponto de vista jurídico, a ideia (ou “filosofia”) do ministro é absurda, principalmente se atingir segurados que não se aposentaram, mas que pertencem à geração que vem recolhendo há anos. Mesmo que tais pessoas estejam na perspectiva de se aposentarem futuramente, a chamada perspectiva de direito, e que ainda não possam esbravejar como detentoras do direito adquirido, pela simples razão de lhes carecer os requisitos da imediata jubilação, a ideia sugerida subverte a segurança jurídica e o planejamento previdenciário, além de gerar enriquecimento sem causa do governo, pois o segurado pagaria mais caro para se aposentar e receberia valor menor.
A ideia soa atentatória e injusta, pois as contribuições previdenciárias não costumam ser devolvidas pelo governo, principalmente se ultrapassar o prazo de cinco anos. Então, o segurado passou um bom tempo investindo e gastando num sonho de se aposentar recebendo pela equivalência salaria é surpreendido com o risco de ter prejuízo com o valor investido e não passível de devolução. O segurado que venha a gozar de aposentadoria elevada necessariamente pagou mais caro por isso. A alíquota da contribuição previdenciária costuma ser proporcional ao valor contribuído. Como o ato da aposentadoria depende de décadas de contribuição, também não é justo que de uma hora para a outra a mudança apareça, ainda que em nome do combate da “desigualdade social brasileira”.
Rômulo Saraiva. Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.
*** Informações com ➡ FOLHAPRESS via JORNAL DO BRASIL
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