Com 20 anos de carreira, autor de inúmeros livros, o juiz Eduardo Appio assumiu a liderança da operação Lava Jato. Mereceu o posto por critérios de antiguidade, uma vez que muitos togados se candidataram à incumbência. Ele falou aos repórteres Felipe Bächtold e Catarina Scortecci, da “Folha de S. Paulo”, e não poupou críticas a seu “colega” Sergio Moro, que mandou prender o presidente Lula e passou pelo vexame público de ter suas decisões cassadas pelo STF.
Appio, que tem 52 anos, assumiu a dianteira da operação judicial mais midiática da história do País no último dia 7.
Ele diz que a prisão de Lula foi um erro porque os supostos crimes haviam sido cometidos “há muito tempo”, e que um dos critérios para prisão provisória (no caso de Lula com o agravante dele já estar com mais de 70 anos) é para que o réu não continue a cometer os mesmos crimes. Appio corrobora a opinião pública, e de juristas até internacionais, de que a prisão de Lula interferiu nas eleições de 2018, beneficiando Jair Bolsonaro, que logo depois de eleito nomeou Moro, o ínclito, ministro.
Disse ele à Folha:
“A questão central era esta: havia os requisitos da prisão cautelar naquele momento? Havia necessidade de um isolamento absoluto em relação a crimes que haviam sido cometidos muito tempo no passado? Até que ponto essas decisões judiciais interferiram nas eleições de 2018 [quando Lula estava preso]? A Constituição cria determinadas amarras, garantias, para que o processo eleitoral seja o máximo possível isolado das atribuições judiciais.
“As eleições de 2018 estão distantes no tempo. Mas acho que é papel do jornalismo, dos historiadores, dos acadêmicos, dos estudantes de direito, se debruçar sobre esse case. Foi o caso mais importante o do atual presidente. Foi o que teve maior repercussão, nacional, internacional, foi o caso que sem dúvida nenhuma interferiu nas eleições de 2018. O ex-presidente Bolsonaro falou diversas vezes que muitas das razões pelas quais tinha sido eleito foram graças às ações e a tudo que aconteceu na Lava Jato.”
O Meritíssimo chamou também alguns atos de Moro, Dallagnol e companhia de “dignos de comédia pastelão”. Asseverou: “Como aquela questão do crucifixo de Aleijadinho que Lula teria levado para casa [‘Em 2016, procuradores suspeitaram de apropriação de uma peça histórica, segundo mostraram diálogos no aplicativo Telegram, o que se mostrou falso’, relembra a Folha]. Tinha coisas que caíram no folclore popular na época. A criatividade ganhou asas e se aproximou demais do sol, e os personagens acabaram tendo as asas queimadas e caíram”.
O substituto do hoje senador Moro trouxe ele mesmo à conversa com a FSP, sem ser provocado, regra processual, o episódio da “Vaza Jato”, série de reportagens publicada pelo site “The Intercept”: [os diálogos] “Foram derivados de uma prova ilícita, e isso foi reconhecido, mas e o debate moral, político e ético? Tudo foi jogado para debaixo do tapete, como se nada tivesse acontecido. Todos lemos perplexos os diálogos, temos que nos resignar e imaginar que isso é o dia a dia dos promotores e juízes. Não é verdade. Eu estou há 30 anos nisso. Eu nunca vi”.
Appio diz que não tem pretensões políticas, e que não se elegeria nem ao cargo de síndico, porque o condomínio onde mora, recorda, “só tinha a bandeira do Brasil nas eleições” – uma alusão aos eleitores bolsonaristas que converteram o símbolo máximo da Pátria em mero artigo de cama, mesa e banho.
O juiz, que já participou de debates na internet criticando a Lava Jato, diz que não se arrepende: “Não tenho nada contra Moro, contra Deltan Dallagnol. Mas isso não me impede de fazer crítica à operação como um todo, ao papel histórico. Achei interessante marcar posição naquele momento, quando a hegemonia era o discurso punitivista, o pé na porta e rasgar a Constituição. Eu estava do lado certo da história”.
Com esta o “juizeco”, como Moro é chamado nas redes sociais, não esperava passar o Carnaval. Pior que cerveja quente – com as devidas escusas aos alemães.
*** Informações com ➡ Jornal do Brasil
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