No governo de SP Tarcísio, mortes cometidas por PMs em serviço aumentam 34% em 2023

POLÍTICA

O primeiro ano de Tarcísio de Freitas (Republicanos) à frente do governo de São Paulo foi marcado pelo aumento das mortes cometidas por policiais militares no estado.

Depois de um ano com o menor número de mortes praticadas por PMs em serviço da história, após a implementação das câmeras nos uniformes, o estado registrou aumento de 34% no número de pessoas mortas em 2023, de acordo com levantamento do g1 feito com base nos números do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial, do Ministério Público.

Em 2022, 248 pessoas foram mortas por policiais militares em serviço, contra 333 em 2023 (até 20 de dezembro de ambos os anos).

Se somarmos as mortes cometidas por PMs de folga, o aumento da letalidade policial como um todo foi de 15,7% — 434 pessoas mortas por policiais militares ao longo do ano contra 375 em 2022, ou seja, mais de uma pessoa foi morta por dia por um PM no estado.

O aumento coincide com o congelamento de investimento no programa “Olho Vivo”, ou como disseram especialistas ouvidas pelo g1: com a “desidratação” do programa das câmeras. A gestão Tarcísio de Freitas confirmou que não adquiriu novas câmeras em 2023 mesmo com orçamento disponível e o número de equipamentos se manteve em 10.125 em todo o estado.

Mortes cometidas por PMs em serviço aumentam 34% em 2023

MDIP 2022* 2023*
em serviço 248 333
total = serviço + folga 375 434
* até 20 de dezembro * até 20 de dezembro

O governador disse ao Bom Dia SP, em entrevista veiculada nesta terça-feira (2), que as câmeras nas fardas não oferecem segurança efetiva na vida do cidadão e admitiu que sua gestão não irá investir em novos equipamentos.

“A gente não descontinuou nenhum contrato. Os contratos permanecem. Mas qual a efetividade das câmeras corporais na segurança do cidadão? Nenhuma”, afirmou Tarcísio.

Já em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou ao g1 que “investe permanentemente no treinamento das forças de segurança e em políticas públicas para reduzir as mortes em confronto, com o aprimoramento nos cursos e aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo” (leia nota completa abaixo).

Além de não adquirirem novas câmeras, há relatos de mau uso do equipamento ou mesmo da obstrução do equipamento, como em mortes ocorridas durante a Operação Escudo, na Baixada Santista.

O programa olho vivo não acabou formalmente, mas foi sendo minado por dentro, vide as denúncias de policiais que não utilizavam câmera ou que comprometeram a gravação deliberadamente colocando algo em frente da bodycam”, diz Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Samira lembra ainda que um dos argumentos dados pelo governo era o de adquirir um equipamento com ainda mais funcionalidades, mas até agora o governo não lançou edital para tal.

“Os contratos vencem no meio do ano, haverá aditivo? No início da gestão, o secretário da Segurança tinha afirmado que as câmeras precisavam de mais funcionalidades para serem mantidas porque supostamente o custo é muito alto pelo que oferecem. Mas nem isso parece ser algo que eles foram atrás, porque uma licitação internacional desse porte leva mais de ano”, diz.

“Se o objetivo fosse mesmo esse, por que não anunciaram um novo edital? Ou uma lista de requisitos novos para renovação de contrato com a própria empresa?”, questiona.

A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, acredita que além das câmeras, a gestão anterior, João Doria/Rodrigo Garcia (PSDB), criou um programa de gestão do uso da força que não foi mantido pelo governo Tarcísio.

“Além das câmeras, você teve a aquisição e uso de armamento menos letal, as pistolas Taser, que foram bastante adquiridas e usadas, e elas minimizam casos de letalidade policial. Você teve comissão de mitigação de risco, que significa que em cada caso de mortes decorrentes de intervenção de letalidade você tinha um estudo técnico no batalhão, na área onde acontecia, para fazer uma avaliação se o uso foi correto da força, se não foi, se foi abusivo, se foi um mau procedimento. Então, você vai dando um recado para a tropa que usar força letal não é uma coisa banal. Ela tem consequências quando você faz essa comissão de mitigação de risco, que gera várias consequências para os policiais, diz.

“Teve investimento em acompanhamento psicológico, numa apuração mais célere dos casos, num discurso muito nítido de que a letalidade policial não era mais aceita, não é algo que se busque, tolerado, enfrentar os bandidos a qualquer custo. O discurso público do gestor, do comandante, faz muita diferença. E junto o programa Olho Vivo, claro, que dá o recado importante em relação ao uso da força para a tropa. Então me parece que nessa gestão a profissionalização do uso da força não foi uma prioridade“, completa.

Para Carolina, o discurso do atual secretário da Segurança, Guilherme Derrite, é todo voltado “para enfrentar o crime a qualquer custo”.

“Se é enfrentar a qualquer custo, você autoriza, de alguma forma, usar força para fazer esse enfrentamento. E é só ver, por exemplo, o caso agora, da menina que tomou o tiro da pistola de airsoft. É bizarro, como é que o policial atira simplesmente em um motoqueiro com uma criança na garupa? Isso mostra que, de fato, o uso da força voltou a ser banalizadoO uso excessivo da força está sendo legitimado em função de outras prioridades“, diz.

“Em nenhum momento você vê no discurso público do secretário valorizando isso [câmeras e ação para redução do uso da força]. As câmeras não entram nesse pacote como se elas fossem contra o policial, as câmeras não são contra o policial, elas fazem parte. Elas são segurança inclusive para o próprio policial”, completa.

Samira concorda e diz que tem a impressão de Derrite ter recebido carta branca para agir.

“E tendo carta branca, a primeira coisa que era de se esperar era justamente o aumento da letalidade policial. Derrite foi oficial da Rota, se elegeu com a plataforma bandido bom é bandido morto”, diz.

Outros crimes

Mas para Samira, mesmo com a carta branca, a segurança como um todo do estado não teve melhorias. Houve aumento de estupros no estado, por exemplo, e de roubos no Centro de São Paulo. Ao todo, foram registradas 16.569 ocorrências de roubo nas oito delegacias da região central entre janeiro e setembro deste ano — o maior número para o período desde 2001.

Os furtos aumentaram 7% na capital em 2023. A cidade de São Paulo registrou 229.639 furtos entre janeiro e novembro do ano passado, uma média de 28,6 furtos por hora na capital, 15.219 ocorrências a mais do que no ano anterior.

Na mesma entrevista ao Bom Dia SP, Tarcísio colocou a segurança pública como prioridade.

“É hoje aquilo que mais me preocupa. A questão da segurança pública? A questão da segurança pública. Não adianta eu chegar pra você e falar que aumentamos a apreensão de drogas, apreendemos 250 toneladas, impusemos um prejuízo pro crime. Ninguém se alimenta de estatística. A gente tá vendo todo o dia alguém perdendo o celular”, afirmou.

Entenda como funcionam as câmeras corporais usadas pela PM de São Paulo

O que diz a SSP

“A SSP investe permanentemente no treinamento das forças de segurança e em políticas públicas para reduzir as mortes em confronto, com o aprimoramento nos cursos e aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, entre outras ações voltadas ao efetivo. Uma Comissão de Mitigação e Não Conformidades analisa todas as ocorrências de mortes por intervenção policial e se dedica a ajustar procedimentos e revisar treinamentos.

Em 2023, a Secretaria de Segurança Pública investiu em tecnologia e equipamentos para fortalecer o trabalho das forças de segurança no combate ao crime, incluindo novas armas e viaturas, num investimento de mais de R$ 640 milhões. O “Muralha Paulista”, presente em mais de 620 municípios do Estado, é um exemplo dessa nova política de segurança pública, que manteve em sua integralidade o programa de câmeras corporais, com 10.125 câmeras em funcionamento e com recurso destinado para continuidade do programa já existente.”

Os números de mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP) indicam que a causa não é a atuação da polícia, mas sim a ação dos criminosos que optam pelo confronto, colocando em risco tanto a população quanto os participantes da ação. Todos os casos dessa natureza são rigorosamente investigados, encaminhados para análise do Ministério Público e julgados pelo Poder Judiciário. Vale ressaltar, que o trabalho das forças policiais no Estado, nos onze primeiros meses deste ano, resultou, na detenção de 172.223 infratores, 6,0% a mais que no mesmo período de 2022. No período, ocorreram 339 mortes decorrentes de intervenção de policiais em serviço, representando 0,19% do total de prisões realizadas.

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