O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que deve pautar “em breve” na Corte um julgamento para deliberar sobre a regulação das redes sociais. Em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na noite desta segunda-feira (10), o magistrado disse que se a decisão “não vier do Congresso, o Supremo vai decidir”.
No Brasil, a principal proposta em discussão no Congresso Nacional para regulamentar as redes sociais é o Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News. Apresentado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) em 2020, o projeto foi votado pelo Senado no mesmo ano, mas enfrenta resistência de parlamentares bolsonaristas na Câmara. Eles disseminam informações falsas, alegando que o projeto instituirá “censura na internet.
Em linhas gerais, o PL, com relatoria do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), visa combater a desinformação e discurso de ódio na internet, responsabilizando as grandes plataformas e aplicando sanções.
(..) “O ideal seria que o Congresso conseguisse legislar sobre isso. Mas os casos estão aparecendo, os casos em que você tem que decidir o que pode e o que não pode, quando que há responsabilidade civil, quando não há. E, portanto, possivelmente o Supremo vai ter que decidir isso se o Congresso não produzir legislação. E aí vai decidir, o que o Supremo decidir é o que vai valer até o Congresso deliberar. Quando o Congresso deliberar, prevalece a legislação do Congresso”, disse Barroso.
Segundo o ministro, “o mundo inteiro está vivendo um momento delicado” de “traçar a linha adequada de onde efetivamente está se protegendo a liberdade de expressão e onde está se permitindo a degeneração da liberdade de expressão”.
(..) “Tem que estabelecer um limite para não permitir que sob o biombo da liberdade de expressão você jogue o mundo em um abismo de incivilidade. Então, essa regulação tem que vir em toda parte do mundo. Se não vier do Congresso o Supremo vai ter que decidir daqui a pouco. Vou pautar”.
Lula apoia regulação das redes
Em 8 de janeiro deste ano, data que marcou o primeiro aniversário dos atos golpistas protagonizados por bolsonaristas radicais em Brasília, o debate sobre a regulação das redes sociais no Brasil foi reacendido.
Durante cerimônia no Congresso Nacional, tanto o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), quanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defenderam a regulamentação para transformar a internet em um ambiente mais saudável e em consonância com o Estado Democrático de Direito.
Moraes e Lula associaram diretamente a ausência de regulamentação das redes sociais no Brasil aos eventos de janeiro de 2023, caracterizados em grande parte pela organização, via internet, de atos golpistas mediante a disseminação de fake news e discursos de ódio em plataformas digitais.
“Há a necessidade da implementação de uma regulamentação moderna, conforme tem sido debatido no mundo democrático e já adotado, por exemplo, na União Europeia e no Canadá”, afirmou Moraes. “A falta de regulamentação e a ausência de responsabilização das redes sociais, aliadas à falta de transparência na utilização da inteligência artificial e dos algoritmos, deixaram os usuários vulneráveis à demagogia e à manipulação política, permitindo a livre atuação do novo populismo digital extremista e de seus pretendentes a ditadores”, acrescentou.
Lula, por sua vez, sentenciou:
(..) “Que ninguém confunda liberdade com permissão para atentar contra a democracia. Liberdade não é uma autorização para disseminar mentiras sobre as vacinas nas redes sociais, o que pode ter resultado na morte de centenas de milhares de brasileiros por Covid. Liberdade não é o direito de pregar a instalação de um regime autoritário e o assassinato de adversários. As mentiras, a desinformação e os discursos de ódio foram o combustível para o 8 de janeiro. Nossa democracia permanecerá sob constante ameaça enquanto não nos comprometermos com firmeza na regulação das redes sociais”.
Em entrevista à Fórum, a jornalista Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia responsável por estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet, destacou a importância da regulamentação das redes sociais. Segundo ela, “a regulação das redes sociais não tem nada a ver com censura”, mas define regras mínimas para a operação dessas empresas no país, tal como acontece com todas as atividades econômicas.
(..) “Quando você presta um serviço, vende um produto, você precisa ter responsabilidade com relação àquilo. É assim em várias outras áreas da economia e deveria ser assim também na área em que nós estamos chamando aqui de redes sociais. As redes sociais hoje no Brasil são basicamente empresas privadas que atuam no país sem nenhum tipo de regra”, declara.
Renata Mielli destaca, ainda, que a extrema direita no geral se articula contra a regulação das redes, difundindo fake news e falando em “censura”, para gerar pânico na população, justamente pelo fato de que o projeto prevê a obrigatoriedade de transparência para impulsionamento e publicidade de conteúdos nas plataformas digitais – o que permitiria identificar, por exemplo, financiadores de publicações que atentem contra a democracia, como aquelas de teor golpista ou de teorias conspiratórias antivacina.
(..) “Dentre as várias regras previstas no atual projeto de lei, que trata da responsabilidade, transparência e liberdade na internet, existem obrigações relacionadas à transparência em como essas redes sociais lidam com seus conteúdos internos. A transparência inclui como essas plataformas removem conteúdos, pois atualmente, sem parâmetros públicos, elas removem conteúdos por regras próprias. A obrigação de transparência para impulsionamento e publicidade dos conteúdos, por exemplo, permite que usuários e poder público tenham acesso a informações sobre quanto foi usado para impulsionar e quem financiou”, explica a jornalista.
(..) “Isso vai contra os interesses da extrema direita, que gasta muito dinheiro para impulsionar conteúdos de discurso de ódio, que atentam contra a saúde pública, como no caso dos conteúdos antivacina, ou como lives monetizadas no YouTube para incitar o 8 de janeiro. As regras de transparência expõem a extrema direita nessa ação nociva de produção de conteúdos que atentam contra a democracia. Quem dissemina esse tipo de conteúdo? Um ambiente menos tóxico nas redes sociais, mais transparente e mais democrático não é do interesse da extrema direita”, emenda.
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