A viagem do presidente Jair Bolsonaro (PL) à Rússia virou uma guerra de “memes” por uma razão muito simples: ela já faz parte da campanha eleitoral.
Bolsonaro tentou ser recebido por Boris Johnson, primeiro-ministro inglês, mas bateram a porta na cara dele, segundo 2 diplomatas com quem conversei. Outros governantes europeus também fogem de Bolsonaro por medo de parecerem malucos negacionistas – é essa a imagem do presidente no resto do mundo. Restou a opção Vladimir Putin, o presidente da Rússia, um autocrata que adora alimentar direita e não tem o menor problema com negacionistas, já que faz com que eles se convertam à ciência a força-bruta –Bolsonaro foi obrigado a usar máscaras e a diplomacia brasileira perde preciosas horas tentando evitar que ele seja obrigado a fazer exames de covid-19 com uma frequência que Bolsonaro considera inaceitável.
A guerra dos memes bolsonarista é engraçada pelo humor simplório, ao estilo de “A Praça é Nossa” ou “Escolinha do Professor Raimundo”. O ex-ministro Ricardo Salles, um campeão de desmatamento e negócios suspeitos na Amazônia, publicou no Instagram uma foto de aperto de mãos entre Bolsonaro e Putin sobre a seguinte frase, atribuindo a informação à rede CNN: “Putin sinaliza recuo na Ucrânia. Presidente Bolsonaro evita a 3ª guerra mundial” (94.599 curtidas até às 20h30 de ontem). A menção à CNN era mentirosa, claro. Outra piada mostrava Bolsonaro na capa da Time e o título “Prêmio Nobel da Paz 2022” (66.296 curtidas no mesmo horário). Salles foi secretário particular de Geraldo Alckmin, o provável vice de Lula, por ser da Opus Dei, o grupo católico que ostenta um conservadorismo medieval. Sua verve piadista é de uma criança de 8 anos.
Bolsonaro vai fechar alguns negócios na Rússia, mas a sua principal missão é contratar aliados –no sentido figurado, claro– para a guerra que vai ocorrer na campanha eleitoral deste ano. A Rússia é a mais grandiosa potência a interferir em outros países com bombardeio de fake news, como ocorreu nas campanhas de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2016. Investigações feitas no Reino Unido apontaram indícios para lá de robustos de que os russos ajudaram a turbinar o voto pelo sim no Brexit em 2016 e na vitória do conservador Boris Johnson em 2019. Escócia e Ucrânia também acusaram a Rússia de interferir no referendum da independência e nas eleições, respectivamente.
Dito de outra forma: a Rússia virou uma espécie de Fakelândia, uma terra sem lei, onde o governo tem batalhões para interferir em eleições estrangeiras e a iniciativa privada fornece a mais popular ferramenta da extrema direita global, o aplicativo de mensagens Telegram.
Talvez seja tudo acaso, mas o Telegram tornou-se a ferramenta mais popular entre os bolsonaristas e fonte de preocupação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por ser arredio à lei. A escolha da plataforma não tem nada a ver com tecnologia. O Telegram não é só opaco; é inalcançável. Não dá a mínima para as demandas do Tribunal Superior Eleitoral. É uma política seletiva. Trata o Brasil como uma república de bananas, mas com a Alemanha não só dá satisfações às demandas do Judiciário como bloqueia quem dissemina informações falsas, como mostrou o advogado e ativista digital Ronaldo Lemos.
Os bolsonaristas migraram para o Telegram em 9 janeiro do ano passado, um dia depois de o Twitter enxotar de forma definitiva o presidente Donald Trump de sua rede pelas mentiras em série que ele tuitava sobre as eleições americanas. Em um dia Bolsonaro conquistou 53 mil seguidores no Telegram; hoje são 1.047.821 inscritos. É o político com mais seguidores no Telegram. Se somados todos os seguidores de Bolsonaro no Facebook, Instagram, TikTok, YouTube, Twitter e Telegram, o número salta para 43 milhões. O profissionalismo digital de Bolsonaro, se você abstrair o conteúdo, faz as campanhas do PT parecerem peças da era do rádio (anos 1930-1950).
O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) tem um conhecimento profundo do eleitorado do pai e usa esse canal para que não se dispersem nem abandonem Bolsonaro. O resultado é impressionante. Bolsonaro consegue manter um eleitorado fiel que oscila entre 20% e 30%. Esses percentuais, porém, se mantidos até as eleições, podem levar Lula a vencer no 1º turno. A Rússia pode ser a salvação.
A campanha eleitoral tem tudo para ser uma guerra digital suja. Bolsonaro está ajudando Putin num momento de isolamento do líder russo no Ocidente (a China segue firme no suporte ao presidente russo). A especialidade russa em eleições é justamente a guerra digital suja. Bolsonaro vai precisar de amigos na disputa com Lula, na qual aparece sempre em 2º lugar. Amigos como Putin são para essas coisas.
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