O silêncio e a espera dos diplomatas para que a conexão de Grossi fosse retomada mostraram a importância de suas avaliações e de seu papel neste momento – que envolve a Rússia, uma das maiores potências nucleares do planeta, que conta com armas do tipo, e a Ucrânia, que possui 15 reatores nucleares, decisivos para o uso de sua energia.
Grossi, de 61 anos, especialista em energia nuclear, é formado em ciências políticas e em questões nucleares. Ele presidiu em 2020 a Conferência do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e é diretor-geral da agência da ONU desde 2019, onde chegou com apoio de vários países da América Latina.
Diante da gravidade e da tensão da situação – com risco de acidente nuclear, como afirmou -, ele se ofereceu para ser mediador de um encontro entre Rússia e Ucrânia no âmbito nuclear.
Leia os principais trechos a seguir:
BBC News Brasil – O senhor se ofereceu para ser negociador em um encontro entre Ucrânia e Rússia na usina desativada de Chernobyl (que explodiu em 1986). Existe essa possibilidade?
Grossi – Minha tarefa é garantir que essa vontade possa ser manifestada. A gente sabe da importância de se ter um acordo sobre as instalações nucleares. Mas esse é um ponto de partida. A partir daí, a gente tem que negociar bem porque essa situação toda não é idêntica para os ucranianos e para os russos. Os ucranianos têm uma presença militar estrangeira em seu território. Temos que ser muito cuidadosos quando se está preparando um acordo diplomático e técnico desta natureza. A vontade de avançar existe, mas os problemas sempre podem aparecer nos detalhes. Por isso, essa é uma negociação muito delicada, muito difícil.
BBC News Brasil – Existe alguma data? Alguma perspectiva para o início desta negociação?
Grossi – Estamos trabalhando. A data é ontem. É uma situação muito frágil. Temos que evitar um acidente nuclear. Um acidente nuclear pode ocorrer em qualquer momento. Por isso meus esforços estão orientados, neste momento, a chegar a um acordo o mais rapidamente possível.
BBC News Brasil – O senhor falou em acidente nuclear. O chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, disse que “uma Terceira Guerra Mundial só poderia ser nuclear, mas que isso só está na mente dos políticos ocidentais e não dos russos”.
BBC News Brasil – A segurança nuclear aumentou desde Chernobyl e Fukushima?
Grossi – A segurança nuclear aumentou muito. Graças a estas situações, a gente tem um contato permanente, com sistemas de comunicação permanentes, de segurança reforçada. Tudo isso como resultado do fortalecimento das normas e dos mecanismos de segurança nuclear, após Fukushima e Chernobyl também.
BBC News Brasil – Há algum perigo relacionado a Chernobyl, mesmo desativada?
Grossi – Hoje, Chernobyl tem vários reatores e esses reatores não têm combustível, não têm atividade. Existe o famoso reator número 4, que é o reator do acidente, e isso é bem conhecido, tem o lixo daquela terrível explosão. Houve um trabalho muito delicado de extração e de tratamento desses restos, desses lixos altamente radioativos.
Grossi – Exato. É uma situação um pouco anormal. A questão positiva é que o controle operacional da instalação ficou nas mãos dos técnicos locais, que têm conhecimento dessa operação técnica. Agora, também é certo que uma força militar tomou o controle do perímetro da instalação e também ocupa o interior da usina. É uma situação perigosa porque, normalmente, o funcionamento da usina tem que ser sempre garantido de uma maneira normal pelo pessoal local e sem pressão nenhuma. Esta situação não poderia ser caracterizada como uma situação normal para o trabalho.
BBC News Brasil – É uma situação tensa?
Grossi – Sim, é uma situação tensa. Essa é uma definição. É uma tensão tangível.
BBC News Brasil – É uma situação tensa nesta usina ou em todo o sistema nuclear ucraniano hoje?
Grossi – Em todo o país.
BBC News Brasil – Na reunião de emergência da ONU após o incêndio na central de Zaporizhzhia, o senhor teve muito cuidado na sua fala para mostrar que seu papel é principalmente técnico.
BBC News Brasil – Qual seria o impacto de um ataque direto a uma central nuclear?
Grossi – É difícil imaginar um ataque assim, mas os reatores possuem uma proteção muito sólida. Um reator pode aguentar até a queda de um avião. E o lado russo conhece bem todos esses reatores, porque são reatores russos, com tecnologia russa. Eu não acredito que mesmo numa situação de guerra pudesse existir um ataque direto. O problema é um acidente, o problema é um ataque a uma instalação de apoio, a uma instalação de segurança ligada ao reator. Que de uma maneira indireta tenha ameaçado o funcionamento normal da instalação. As condições do acidente poderiam surgir a partir desses eventos.
BBC News Brasil – Qual o desfecho que o senhor espera para esta situação?
Grossi – Naturalmente, a gente quer a paz. Mas eu vou falar somente nos aspectos ligados à segurança da energia nuclear. A minha expectativa é que dois grandes países nucleares, que têm uma estrutura, uma tradição, uma cultura de usos pacíficos de energia nuclear, vão avançar com o sentido de responsabilidade, de grande responsabilidade. A agência é o instrumento adequado para facilitar esse ponto de encontro entre dois países em guerra.
Grossi – Temos alguns acordos mais limitados com a Rússia porque simplesmente a Rússia é um país com armas nucleares. Mas, sim, realizamos inspeções, muitas atividades de controle também com o regulador russo, em tempos normais. Agora, em tempos de guerra, estes contatos continuam e eles são muito importantes. Estamos em uma época de fake news. As pessoas podem publicar informações falsas ou não confirmadas nas redes sociais para semear o pânico na população.
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