Inflação e, principalmente, os juros altos estão sendo mais nefastos para as empresas do que o lockdown dos dois anos de pandemia. É o que notam advogados especializados em falências e recuperação judicial.
“No período da pandemia, houve uma flexibilização das negociações entre credores e devedores, locadores e locatários, bancos e tomadores de empréstimos, durante a pandemia; houve injeção de dinheiro na economia com auxílios emergenciais – e a conta está vindo agora”, relata o Secretário Adjunto da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB, Filipe Denki, sócio do Lara Martins Advogados, especialista em Direito Empresarial.
“O cenário piorou muito. Temos notícia de mais empresas que já ajuizaram ou estão para ajuizar pedidos de Recuperação Judicial (RJ) e falência”, completa Guilherme Fontes Bechara, sócio das áreas de Resolução de Disputas, Reestruturação e Falência e Investimentos Alternativos do escritório Demarest.
“Quando começou a pandemia, todos esperava uma quebrada danada, que não aconteceu, por várias razões, como credores mais flexíveis, Selic (a taxa de juros básica da economia) a 2% ao ano, subsídios e auxílios emergenciais. Com a Selic a quase 14%, começaram a aumentar os pedidos de falência e Recuperação Judicial (RJ), não tanto entre grandes empresas, mas entre pequenas, médias e microempresas que tomaram dinheiro barato no passado”, complementa Bechara, que atua em processos de recuperação judicial e falência.
Denki aponta exemplos de clientes que tomaram empréstimos subsidiados do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, com a Selic a 2%, com carência de seis meses há um ano e parcelamento em 36 meses, e que, agora, estão amargando a correção do saldo devedor por taxas de 13,75% – o nível vigente da Selic. “O subsídio virou uma maldição, porque, na época, ninguém poderia imaginar que a Selic chegaria a bater quase 14%”, ressalta.
De acordo com os dados do Indicador de Falências e Recuperação Judicial da Serasa Experian, os pedidos de falência aumentaram 11,6% em agosto na relação com o mesmo período do ano passado. O maior número de solicitações foi registrado para as micro e pequenas empresas (59), seguidas pelas médias (22) e grandes (25). A análise por setor revelou que o de Serviços foi o que mais demandou, com 39 requisições. Em sequência vêm Indústria (19), Comércio (12) e o segmento Primário (4).
Em contrapartida, as solicitações de RJ registraram queda de 33,3%, em agosto, para 74 pedidos, frente aos 111 do mesmo mês do ano anterior. As micro e pequenas empresas foram as que mais solicitaram pelo recurso, com 51 pedidos. Ainda assim, as empresas de menor porte tiveram melhora na análise anual, já que em agosto de 2021 marcaram 81 requisições. Os negócios de grande porte foram os únicos a revelar alta no ano a ano.
O secretário da OAB explica o aumento de falências também pela melhora da legislação, com a Lei 14.112, de 2020, que substituiu a 11.101, de 2005, tornando os procedimentos de falência e recuperação judicial mais claros, mais objetivos e mais céleres.
“Isso acaba encorajando empresários em dificuldades financeiras a recorrer a esses mecanismos, quando antes eles simplesmente abandonavam o CNPJ. Agora, não, agora existe um incentivo a pedir autofalência, que é o encerramento regular da atividade de uma empresa em dificuldade financeira”, diz Denki, lembrando que as falências demoravam dez, quinze anos para serem encerradas. “Há falências dos anos 1990/2000 que ainda não terminaram. Hoje, os novos dispositivos legais permitem encerrar a decretação da falência em três anos, ou seja, é uma tentativa de melhorar o instituto da falência”, sublinha.
A reforma da Recuperação Judicial, por sua vez, trouxe alguns outros dispositivos que aumentam a segurança jurídica, principalmente no que diz respeito ao financiamento do devedor em recuperação judicial, o que era uma dificuldade para a empresa em recuperação obter dinheiro. O legislador regulamentou a participação do financiador na RJ.
Também houve mudanças no sentido de estimular a mediação e a conciliação. “O que estamos vendo muito neste ano é muitos credores e devedores sentando-se à mesa para negociar, o que, aliás, tem evitado pedidos de RJ. Dados da Serasa mostram que houve um recuo dos pedidos de RJ e uma das hipóteses que explicam essa diminuição é o uso da mediação, hoje positivado no nosso ordenamento jurídico. É o tema da moda”, diz Dekin.
“Os donos de negócios, fornecedores e credores continuam utilizando as ferramentas de renegociação para solucionar dívidas ao invés de solicitar a recuperação judicial, processo que é mais caro, burocrático e demorado. Além disso, as empresas estão indo melhor e impulsionando o cenário econômico”, corrobora o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi.
Ele assinala que as empresas foram duramente afetadas pela escalada da inflação, no começo do segundo semestre do ano passado, quanto o IPCA acumulado em 12 meses atingiu os dígitos aí permanecendo até julho deste ano, e pela subsequente disparada da Selic. Não por acaso, o período registrou recordes de inadimplência, primeiro das pessoas físicas, que, depois, se refletiu nas pessoas jurídicas, afetando as estatísticas de falência e de RJ.
Com a melhora do quadro econômico, somado às renegociações de dívidas, os pedidos de RJ – que ele considera melhor indicador da saúde financeira das empresas, dado que são as próprias firmas que requerem – vem mantendo tendência de queda.
“A melhora sazonal da atividade no fim do ano, com Black Friday, Natal, 13º salário deve sustentar este cenário”, antecipa Rabi. “Já para o próximo ano, vai depender da política econômica do futuro governo. Seja quem for, tradicionalmente o primeiro ano de governo é de austeridade, de acertar as contas da gastança do ano eleitoral. Se der Bolsonaro, a expectativa é que siga a mesma política, se der Lula, a dúvida é se será mais o Lula do primeiro ou do segundo.”
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